quarta-feira, 27 de julho de 2011

Inerrância das escrituras



A questão da inerrância e autoridade da Bíblia é um assunto amplamente discutido nos meios acadêmicos. Ainda que grupos mais conservadores a consideram uma doutrina que está no mesmo nível dos principais dogmas da fé cristã, portanto não passível de ser submetida a debates, é inegável, contudo, a existências de outras ideologias. Talvez com a mesma capacidade de sustentação teológica. Nesta oportunidade quero fazer uma exposição abreviada de três alternativas de conceitos relacionados a este tema. Respeitando, obviamente, a posição de cada um. Não escondendo porém, a minha preferência pela postura neo-ortodoxa, proposta por Karl Barth descrita no terceiro tópico.

1.      Posição fundamentalista;
Com o grande impacto provocado pala teologia liberal no final do século XIX, houve uma reação dos teólogos comprometidos com as formas da ortodoxia protestante. E na tentativa de preservar os pontos vitais da teologia reformada surgiu um movimento que ficou conhecido como fundamentalismo. A posição adotada por esse pensamento, era de que qualquer pessoa que questionasse um único ponto do seu sistema doutrinário protestante fundamentalista seria acusada de heresia ou mesmo de apostasia. Alguns teólogos consideram o fundamentalismo uma reação exacerbada, típico de qualquer ala extremista. A essência da teologia fundamentalista era o reconhecimento da autoridade plena das escrituras. Sua principal ambição era defender a inspiração verbal e infalibilidade (inerrância) da Bíblia. Nenhuma contestação era aceita no que se referia à inspiração sobrenatural e verbal das escrituras. Um dos grandes expoentes e precursor da fé fundamentalista foi o teólogo reformado Francis Turretin (1623-1687), que admitia enfaticamente a inspiração verbal em toda a escritura de forma bastante extrema, que quase considerava uma forma de transcrição do Espírito Santo. Alegava também que até os pontos vocálicos dos textos bíblicos eram divinamente inspirados, e, portanto inerrantes. Outro renomado precursor do fundamentalismo foi Charles Hodge (1797-1878) que insistia que a inspiração e a infalibilidade se estendem as próprias palavras da Bíblia, e não apenas as idéias. Tanto Turretin com Hodge tiveram forte influência na metodologia do conceituado seminário teológico de Princeton, que durante um período de mais de cem anos formou teólogos com forte inclinação ao fundamentalismo, que se tornou em um movimento em 1910.
Grande parte dos teólogos, concordam que o fundamentalismo é apenas um desenvolvimento, uma extensão mais extremada deste grupo em relação à infalibilidade das escrituras, como resposta à crítica, pois se trata de um conceito antigo. Acreditam que esta doutrina retroceda no mínimo até Agostinho (354-430), e que, a igreja, em toda a sua história sustentou a completa confiabilidade das escrituras. O próprio catolicismo sempre afirmou a inspiração da Bíblia, mas durante o período medieval a tradição foi progressivamente elevada como fonte de autoridade igualmente válida. Essa posição foi formalmente adotada no concílio de Trento (1545-1563). Os protestantes responderam com a doutrina da Sola scriptura, que é uma afirmação direta da autoridade absoluta da Bíblia. Mais tarde na assembléia de Westminster enfatizaram também a inspiração verbal e inerrância absoluta das escrituras. É bom lembrar que a confissão de Westminster é totalmente calvinista e distintamente puritano. Por isso fundamentalista. Ainda hoje uma ala do evangelicalismo adota essa confissão como tendo autoridade igual às escrituras.
A inerrância continua sendo até hoje o padrão para a maioria das denominações evangélicas tradicionais. Muitos Seminários bíblicos e Faculdades adotam esta postura no que diz respeito à infalibilidade da Bíblia.

2.      Posição liberal
Como já foi dito no início desse artigo, o liberalismo teológico foi fator decisivo para o surgimento do fundamentalismo. Pois consideraram o liberalismo uma verdadeira ameaça a ortodoxia. Então procuraram salvar o que de mais importante havia para a igreja: a total confiança na inspiração sobrenatural da Bíblia.
A teologia liberal por sua vez tinha a proposta de ajustar a Bíblia à cultura moderna. Este movimento é caracterizado pela negação de dogmas importantes da fé cristã, mas sobretudo da inspiração bíblica. Alguns teólogos liberais foram tão radicais nas suas conclusões que descartaram qualquer crença literal no sobrenatural e no milagroso. Não eram todos assim, mas de modo geral todos eles tentaram construir uma teologia cristã nova, que fosse totalmente compatível com o que havia de melhor na modernidade e na ciência. O pai da teologia liberal foi Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Segundo historiadores Schleiermacher tinha na mais alta estima as escrituras, mais considerava que a experiência religiosa tinha muito mais autoridade. A Bíblia, declarou, não é a autoridade absoluta, mas o registro das experiências religiosas das comunidades cristãs primitivas, portanto forma um padrão para as tentativas contemporâneas de interpretar a relevância de Jesus Cristo para as circunstâncias históricas específicas. Ela não é sobrenaturalmente inspirada e nem infalível. Schleiermacher relega o Antigo testamento a uma condição de total irrelevância para a formação normativa do Novo testamento.
Mas quem sacudiu mesmo o mundo teológico do século XX foi Rudolf Bultmann (1884-1976). Quando inventou a teoria da demitologização. Bultmann propôs uma ruptura radical entre história e a fé, e argumentou que, se o novo testamento devia ser aceito pelo homem moderno, ele deveria ser demitologizado e reinterpretado de forma convincente. Sua idéia central era de que o novo testamento era composto de mitos, e trabalhou com a proposta de eliminar todos os mitos contidos nele. Resultado: pouca coisa sobrou a não ser o Kerígma; A mensagem de Cristo contida nos mitos. Enfim; para boa parte dos teólogos liberais a Bíblia é um livro falível e mitológico.

3.      Posição neo-ortodoxa
Karl Barth (1886-1968) foi responsável por trazer em sua teologia uma posição mais equilibrada acerca da questão da inerrância. Para muitos observadores da teologia moderna, Barth consta como grande reformador à altura de Lutero, porque, assim como o reformador alemão do século XVI, Barth derrotou quase sozinho a oposição e recuperou a imagem do Evangelho cristão em tempos de crises. Ao que tudo indica uma das razões que o levou a formular uma nova teologia, foi sua desilusão com os extremistas tanto da ala liberal como dos radicais. Apesar da teologia de Barth ser um convite de volta para a Palavra de Deus, seu ponto de vista em relação à inspiração e  inerrância estava longe de ser ortodoxa. Para Barth a Bíblia pode se tornar a palavra de Deus, mas não é o mesmo que ela. A Palavra de Deus, assim como o próprio Deus, está acima de qualquer objeto ou mesmo da história como um todo. A Palavra de Deus é a mensagem de Deus à humanidade na história de Jesus Cristo. Barth afirmava que a Palavra de Deus é transcendente, está até mesmo acima da Bíblia. A Bíblia é um instrumento da Palavra de Deus. Ela se torna sua Palavra sempre que Deus decide usá-la para levar os seres humanos ao encontro salvífico consigo. Mas ela não é um conjunto de proposições divinamente reveladas. Para Barth a Bíblia não era a Palavra de Deus no mesmo sentido que Jesus Cristo o é. Jesus Cristo é a Palavra de Deus porque é o próprio Deus. A Bíblia é uma das manifestações da Palavra de Deus e inclusive uma manifestação secundária. É o testemunho ordenado por Deus, da Palavra de Deus na pessoa de Jesus Cristo e se torna a Palavra de Deus sempre que Deus decide usá-la para encontrar-se com uma pessoa e confrontá-la com o evangelho. Então a Bíblia é a Palavra de Deus à medida que Deus a torna sua Palavra, a medida que fala através dela. Barth rejeitava a inerrância bíblica. A Bíblia, para ele, era totalmente humana. É um livro com o testemunho humano de Jesus Cristo e, a despeito de ser tão humano, é incomparável porque Deus faz uso dele. Quem conhece as obras de Barth, percebe que ele tinha a Bíblia em alta estima. Então suas negações não visavam desacreditar a Bíblia, mas somente exaltar Jesus Cristo acima dela. Jesus é Senhor! A Bíblia, não. É um testemunho do Senhor. Dizia.

Conclusão
Geralmente quando uma pessoa entra em defesa da inspiração total da Bíblia o texto utilizado via de regra é 2 Tm 2:16. Que diz: “Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para instruir em justiça”
O texto de 2 Tm 2:16 foi tirado da versão ARC (Almeida revista e corrigida), versão produzida por João Ferreira de Almeida que usou como fonte o Textus receptus para o novo testamento e o Texto Massorético para o antigo testamento. Que é na concepção dos cristãos conservadores, uma versão de total confiabilidade. Contudo o texto citado sugere que “Toda escritura inspirada por Deus é útil...”, e não: “Toda escritura é inspirada por Deus e útil...”.
Na minha modesta opinião ou crença, creio que Deus na sua soberania, permitiu que textos inspirados por Deus chegasse até nós, sobretudo no que diz respeito às doutrinas essenciais para nossa salvação. No entanto não creio que Deus ditou a Bíblia de uma ponta à outra. Creio sim que muitas declarações que constam na Bíblia foram feitas por Salomão, por Davi, outras por Paulo, e ainda outras por João. Algumas declarações bíblicas são uma coletânea de sabedoria universal, outras são cânticos de lamento de um povo oprimido no cativeiro, outras são verdadeiros gritos de guerra entoados no calor de uma batalha, e ainda outras que são na verdade orações imprecatórias que tinham seu devido valor no contexto em que foram feitas, mas que não cabem mais dentro de uma cosmovisão cristã. Além de uma grande quantidade de Histórias de pessoas que tiveram uma experiência com Deus e deixaram registradas para a posteridade.
Não posso deixar de fazer referência à pessoas ou instituições que apesar de defenderem a infalibilidade das escrituras, presumem que determinados textos devem ser interpretados a luz do contexto histórico e cultural como determina algumas regras básicas da hermenêutica, não percebendo que com isso acabam atestando indiretamente que as escrituras foi infalível para determinada época ou cultura, cabendo portanto, a possibilidade de fazer adaptações para que o texto se ajuste a conjuntura atual. Logo, exclui em tese, a infalibilidade da Bíblia.
O conceito de que alguns textos não precisam ser necessariamente considerados inspirados por Deus não diminui em absolutamente nada o valor e autoridade das escrituras. Não exclui de maneira alguma o testemunho dado por Jesus Cristo e pelo Espírito Santo no tocante às doutrinas fundamentais da fé cristã, e nem a necessidade de submissão as reivindicações que a própria Palavra de Deus nos faz

Um abraço, Donizete

Bibliografia:
História da teologia cristã, Roger olson
Os grandes teólogos do século XX, Battista Mondin
Uma introdução a teologia, M. James Sawyer  

terça-feira, 19 de julho de 2011

Só sei que nada sei


Faz vinte e cinco séculos que Sócrates proferiu sua máxima “Só sei que nada sei”. Com essas palavras ele reagiu ao oráculo de Delfos, que o reconhecia como sendo o mais sábios de todos os homens. E ao mesmo tempo deu provas de sua humildade. Apesar de ser o pai da filosofia, ele nunca proclamou ser sábio, e sempre dizia que sua sabedoria era limitada à sua própria ignorância. (sic) Pode ser que aja certa dose de ironia nesta sentença por parte de Sócrates. Indiretamente, pode ser que ele queria dizer que se, ele nada sabe, os outros sabem menos ainda. Podemos dizer que este é o princípio do aprendizado, do conhecimento. Não é a confissão de total ignorância, mas sim o reconhecimento que existe um universo de coisas a serem aprendidas. E mais: uma outra maneira de desenvolvermos nosso treinamento cognitivo, ainda que seja um incômodo, seria: aplicar um ponto de interrogação nas nossas certezas e convicções, evitar todo tipo de dogmatismo, colocar em cheque até mesmo se necessário os axiomas relacionados à bíblia. Por outro lado, a arrogância, a soberba, em termos de conhecimento, seja prático ou teórico, além de ser sinal de insegurança, é também o princípio da ignorância. Toda prepotência revela insegurança. É sempre bom salientar que um dos postulados mais básicos da filosofia é saber que quanto mais se sabe, melhor se sabe que nada sabe. Ou seja: quanto mais conhecimento se adquire mais aprendemos que temos mais para aprender. Mais para isso é necessário ser humilde. E a prepotência não combina com a humildade. Eu particularmente prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, que é primeiro indício de que conceitos precisam ser urgentemente revistos.

Concordo plenamente com Mário Sergio Cortella que escreveu no seu livro não espere pelo epitáfio, que devemos duvidar da afirmação de algumas máximas antigas como por exemplo: Quem espera sempre alcança, A pressa é inimiga da perfeição, A vingança tarda mais não falha, Deus ajuda a quem cedo madruga, Vaso ruim nunca quebra, Quem não deve não teme, Quem viver verá, Cão que ladra não morde, Tal pai tal filho e etc... Estes são exemplos de afirmações seculares, porém frágeis. Todos estes aforismos são passiveis de se colocar uma interrogação ao final deles. São relativos.
Isso tudo pode se aplicar ao conhecimento das escrituras. Existem vários temas que ainda estão sendo objetos de debates e estão muito longe de um consenso, entretanto muitos já os consideram como sendo verdades absolutas.  
 A escatologia por exemplo. É um entre os temas teológicos mais debatidos, contudo a probabilidade de chegar a um denominador comum é zero. Eu Donizete, quanto mais estudo esta doutrina mais confuso fico, e não é por falta de não querer me aprofundar no assunto. Eu que sempre fui defensor da teoria do pré-tribulacionismo, cheguei à conclusão que Jesus pode arrebatar a Igreja tanto antes, como durante, como também depois. Eu que sempre julguei a interpretação futurista do apocalipse como sendo a mais coerente, já a coloquei como sendo uma das que merecem ser melhores estudadas.
Uma das ponderações que eu faço com os alunos da EBD, é de que evitem ao máximo fazer uso daquele hábito adquirido de sempre que for fazer menção da Bíblia, usar a expressão: “em tal lugar está escrito” no sentido de querer endossar ou afirmar alguma conjectura. As afirmações direta das escrituras, como é conhecida esta prática nos meio teológicos, são usadas geralmente como trunfo em uma discussão ou debate, sem considerar que uma afirmação direta tem autoridade até o ponto em que essa afirmação seja interpretada de modo correto dentro do seu contexto literário e histórico. Pois pode ser que o texto citado esteja muito longe de dizer o que aparentemente diz. Uma das regras básicas da hermenêutica é de que o contexto (macroexegese) deve ter a prioridade no entendimento das escrituras. E um texto fora do seu contexto pode servir de fundamento para formulação de qualquer doutrina, de qualquer pensamento.
Lembre-se: A dúvida é uma arte, pois ela por sua vez trás a busca pelo conhecimento, e este explora o novo, quebra paradigmas e pode trazer a convicção plena. Num mundo de relativos, muitas afirmações pode representar um suicídio intelectual.

Um abraço. Donizete

sábado, 16 de julho de 2011

Rumo ao ecumenismo



A igreja desde o seu nascimento, ainda nos dias dos apóstolos já teve seus primeiros contatos com as heresias. Há uma tradição do século II, que descreve um embate entre o apóstolo João e um eminente mestre gnóstico da cidade de Éfeso por volta de 90 dC. Cerinto era o seu nome. Provavelmente um dos primeiros mestres gnósticos e perturbadores da igreja no final do século I. De fato, tanto o apóstolo João como os sucessores dos apóstolos na igreja primitiva, considerava o gnosticismo como sendo o principal inimigo do cristianismo nos primeiros séculos. Porém o gnosticismo foi apenas uma entre as várias heresias que vieram a se tornar um grande problema para os líderes cristãos daquela época. Ainda no século II surgiu o montanismo, movimento profético fundado por um sacerdote pagão chamado Montano. Outro famoso opositor da fé cristã foi um filósofo por nome Celso. Este escreveu um livro contra a fé dos cristãos, o que Levou Orígenes a escrever Contra Celsum, uma das suas primeiras obras de apologia. No inicio do terceiro século surgiu o primeiro ataque a Trindade, doutrina recém criada pelos teólogos patrísticos, que ficou conhecido como modalismo ou sabelianismo segundo seu proponente, Sabélio. O modalismo rejeitou a doutrina da trindade e argumentou que o único Deus se revelou ao mundo em modos diferentes e sucessivos. No antigo testamento ele se revelou como Pai, nos evangelhos como Filho e depois da ressurreição como Espírito. As correntes teológicas atuais que ensinam o unicismo teve neste movimento sua origem. O arianismo, heresia do início do IV século, promovida por Ário,  Presbítero de Alexandria, que também no esforço de manter um monoteísmo absoluto negou a divindade de Jesus. Segundo Ário, o Cristo pré-encarnado era um ser criado, o primogênito da criação. Mas houve um tempo em que o filho não existiu. As testemunhas de Jeová defendem esta idéia. Foi em razão dessa controvérsia que aconteceu o primeiro concílio de Nicéia, em 325, que resultou na condenação da perspectiva ariana. É justamente neste ponto que eu quero chegar. Na medida em que as falsas doutrinas surgiam, havia a reação imediata por parte dos apologistas cristãos, os quais merecem não pouco reconhecimento por sua fé, virtude e zelo que nutriam pela doutrina sagrada. Nomes como Clemente de Roma, Clemente de Antioquia, Inácio, Policarpo, Justino o mártir, Irineu, Tertuliano, Crisóstomo, Agostinho e outros heróis que foram responsáveis pela preservação dos ensinos apostólicos. [1] ( se acaso o leitor quiser conhecer os escritos desses guardiões da fé, a Editora Paulus publica suas obras com o título Patrística). É bom lembrar que foi nesta época que nasceu a teologia. à medida em que os herdeiros dos apóstolos começaram a refletir os ensinamentos de Jesus e deles a fim de explicá-los em novos contextos e situações e resolver as controvérsias quanto as crenças e condutas cristãs, é que iam sendo elaborados os sistemas teológicos. Irineu, já citado anteriormente, foi provavelmente o primeiro cristão a apresentar um relato completo de teologia. Por isso ele é considerado o primeiro teólogo sistemático cristão.
No decorrer de dois mil anos de igreja, houve sempre muitos debates, conflitos e até mortes, isto no tocante até mesmo a diversas questões consideradas secundárias da doutrina cristã. Um exemplo disso foi à falta de união entre Lutero, Zuínglio, Calvino e outros reformadores, tudo por falta de consenso sobre a questão da transubstanciação. Então, as vezes por causa de pequenos desacordos, já era motivo suficiente para que pessoas fossem consideradas hereges.
Não há dúvidas, de que o acerto doutrinário e teológico importava demais. Nos nossos dias, porém, parece que o pêndulo já chegou à extremidade oposta. Os líderes estão fazendo vista grossa às heresias e modismos, que tem se infiltrado livremente no seio da igreja. Não há mais nenhuma resistência. Há casos, é lógico, de menos importância. E não devemos promover uma guerra por causa deles. Contudo, alguns são dogmas e merecem ser defendidos séria e até mesmo calorosamente. Acredito que a Trindade e a divindade de Jesus pertencem a esta categoria. Partindo deste pressuposto, não deveríamos admitir nenhum grau de comunhão com qualquer movimento que se declare unicista. Fato comum em nossos dias. A verdade é que não a mais a preocupação da preservação e separação da sã doutrina em relação às heresias. Os principais líderes eclesiástico se tornaram apenas grandes administradores de "empresas”. Já há muito tempo substituíram os compêndios de teologia pelos manuais de economia e administração. Dizem os especialistas que a formação teológica entre os cristãos está no nível mais baixo de sua história. O entendimento teológico tem sido substituído por “experiências de adoração”.

Donizete
[1] História da teologia cristã, Olson, Roger, Ed. Vida 

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Você sabe com quem está falando?




De vez em quando em meios sociais ou ambientes de trabalho, neste último talvez  com menos freqüência, sempre aparece aqueles que se consideram superiores como seres humanos. Alguns porque tem um emprego mais valorizado, outros porque exercem uma função de mais destaque, outros por serem celebridades, sem falar nas autoridades políticas, sejam elas dos poderes executivo, legislativo ou judiciário, que num flagrante abuso de autoridade, fazem esta arrogante pergunta. Mas venha de onde vier, o objetivo é sempre o mesmo; amedrontar, amordaçar, diminuir, de tirar do outro as vezes o pouco de dignidade que ainda lhe resta como cidadão.                                  
Nos que fazemos parte da igreja nos sentimos seguros. Achamos que neste ambiente de amor, igualdade, fraternidade e inclusão, estamos imunes a este comportamento tão execrável. Puro engano!
   A não muito tempo atrás presenciei este tipo de bullyng, quando um Diácono, encarregado da organização de um evento, no exercício de sua função, pediu educadamente que um determinado Pastor aguardasse por alguns minutos sua entrada ao recinto. Não deu outra! Foi imediatamente surpreendido por esta “cordial”pergunta: “Você sabe com quem está falando”? Atitude deplorável de um cidadão que deveria dar demonstração de humildade no seu mais elevado padrão. Acho que poucas frases nos enervam mais do que esta, por causa da sua arrogância e prepotência característica. As vezes, passada a emoção do momento, de cabeça fria, analisamos o ocorrido e ficamos chateados de não termos dado uma resposta adequada para aquela situação. Quem sabe um “quem você pensa que é?” Bom! deixa pra lá, não vamos descer ao mesmo nível desse “cadáver adiado” como disse Fernando Pessoa.
Há pessoas que tem baixa auto-estima, e diante de uma situação como esta se diminui ainda mais, porque há tendência natural de se comparar neste caso com o ofensor, e com isso se considerar um fracassado e indigno. Neste instante ele está cometendo um crime contra sua própria inteligência. Há muitas pessoas que engole o desaforo para dentro de si, e isto tem um efeito devastador. Muitas pessoas com algum nível de distúrbio psicológico tem numa humilhação desse porte a sua origem.
Augusto Cury escreveu: Quem se diminui perante outros, sejam eles celebridades ou líderes sociais, nunca conheceu sua própria complexidade. [1]
Retomando o exemplo da humilhação social proveniente dessa pergunta, há uma opção de resposta sugerida pelo brilhante Mário Sergio Cortella, que é a seguinte:
“Um dia procurei representar uma possível resposta científica a essa arrogante pergunta, e, de forma sintética, registrei essa representação em um livro meu, agora, de forma mais extensa e coloquial, aqui vai este relato, partindo do nosso lugar maior, o universo, até chegar a nós.
Hoje, em física quântica, não se fala mais um universo, mas em multiverso. A suposição de que exista um único universo não tem mais lugar na Física. A ciência fala em multiverso e que estamos em um dos universos possíveis. Supõe-se que este universo possível em que estamos apareceu há 15 bilhões de anos. Alguns falam em 13 bilhões, outros em 18, mas a hipótese menos implausível no momento é que estamos num universo que apareceu há 15 bilhões de anos, resultante de uma grande explosão.
Qual é a lógica? Há 15 bilhões de anos, é como se se pegasse uma mola e fosse apertando, apertando, apertando até o limite, e se amarrasse com uma cordinha. Imagine o que tem ali de matéria concentrada e energia retida! Supostamente, nesse período, todo o universo estava num único ponto adensado, como uma mola apertada e, então, alguém, Deus, cortou a cordinha. E aí, essa mola, o nosso universo está em expansão até hoje. E haverá um momento em que ele chegará ao máximo de elasticidade e irá encolher outra vez. A ciência já calculou que o encolhimento acontecerá em 12 bilhões de anos.
Assim, há 15 bilhões de anos, houve uma grande explosão atômica, que gerou uma aceleração inacreditável de matéria e liberação de energia. Essa matéria se agregou formando o que nós, humanos, chamamos de estrelas e elas se juntaram, formando o que chamamos de galáxias (do grego galaktos, leite). A ciência calcula que existam em nosso universo aproximadamente 200 bilhões de galáxias. Uma delas é a nossa, a Via Láctea, que é “leite”, em latim. Aliás, nem é uma galáxia tão grande; calcula-se que ela tenha cerca de 100 bilhões de estrelas. Portanto, estamos em uma galáxia, que é uma entre 200 bilhões de galáxias, num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
Nessa nossa galáxia, repleta de estrelas, uma delas é o que agora chamam de estrela-anã, o Sol. Em volta dessa estrelinha giram algumas massas planetárias sem luz própria, nove ao todo, talvez oito (pela polêmica classificação em debate). A terceira delas, a partir do Sol, é a Terra. O que é a Terra?
A Terra é um planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer. Veja como nós somos importantes….
Nesse lugarzinho tem uma coisa chamada vida. A ciência calcula que em nosso planeta haja mais de trinta milhões de espécies de vida, mas até agora só classificou por volta de três milhões de espécies. Uma delas é a nossa: homo sapiens. Que é uma entre três milhões de espécies já classificadas, que vive num planetinha que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
Essa espécie tem, em 2007, aproximadamente 6,4 bilhões de indivíduos. Um deles é você.
Você é um entre 6,4 bilhões de indivíduos, pertencente a uma única espécie, entre outras três milhões de espécies classificadas, que vive num planetinha, que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas que compõem uma galáxia, que é uma entre outras 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer.
É por isso que todas as vezes na vida que alguém me pergunta: “Você sabe com quem está falando?”, eu respondo: “Você tem tempo?”’ [2]


[1] O código da inteligência, Cury, Augusto, Ed. Ediouro
[2] Qual é a tua obra? Cortella, Mario Sérgio, Ed Vozes

Capitalismo Gospel




Há uma reflexão do educador Paulo Freire muito difícil de ser decorada, pelo menos para mim que sou péssimo em decoreba. Mas toda vez que penso em protelar qualquer coisa que não devo protelar, me lembro dela. É assim: “A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje é fazer hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã o que hoje também não pude fazer”. Sábia advertência. E talvez para que eu não acuse a mim mesmo de procrastinação, é que resolvi colocar algo que presencio com freqüência na igreja, a qual com a mesma freqüência, ainda que seja em vão, sempre exponho minha opinião ou crítica contrária.
A cena é a sempre a mesma que se repete em boa parte das igrejas pentecostais e neo-pentecostais com ênfase no evangelho da prosperidade, portanto deixa de ser novidade para muita gente.
O Pastor, ainda juvenil, mas demonstrando que aprendeu rápido a lição de casa, no momento da oferta, solicita que os irmãos mostrem sua generosidade contribuindo com o melhor, ou seja; tire de sua carteira a nota de maior valor que tiver. Para servir de exemplo a ser seguido ele próprio, saca do seu bolso uma cédula de 100 reais, e continua convidando as pessoas, quase que na base da coerção a imitarem seu gesto, pois seria no caso, esta prova de desprendimento, fator decisivo para ter as mãos do senhor movidas a seu favor.
Depois de alguns minutos de insistência pediu aos irmãos que pegassem suas ofertas, fechassem suas mãos e as elevassem ao céu que ele iria dirigir a Deus sua intercessão de forma bem objetiva, e iria reivindicar a benção merecida, e apelou para a lei da causalidade de tal maneira que certamente fez David Hume se mexer em seu túmulo.
A oração foi mais ou menos assim: “Senhor. Peço que abençoe muito a quem muito ofertou, como também gostaria que o senhor abençoasse pouco a quem pouco deu. Seguindo esta mesma lógica prosseguiu: e peço que o Senhor feche as mãos, prive de benção quem não quer ter o compromisso com tua obra.....” e assim continuou.
Meu Deus! Uma oração relativamente curta, mas tão repleta de heresias que faria Ario, Sabélio, Montano e outros hereges a rasgarem suas vestes em sinal de repúdio. Infelizmente, digo com tristeza, esta é a idéia central das mensagens que ouvimos no que diz respeito a contribuição cristã, ainda que muitos sejam mais discretos, contudo, o teor, não foge muito dessa realidade. O método é sempre o mesmo; negociata e barganha com Deus, como se Deus se deixasse levar ao ponto de descer a este nível tão peculiar ao ser humano, que é retribuir com bondade apenas aqueles que fizeram por merecer.

Donizete.