quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Estou pessimista sou!

 


Por Donizete

Estou começando a ficar pessimista quanto ao encarar a vida e ver nela ainda que seja um fio de esperança. Seria isso uma conversão ao existencialismo filosófico ou é o primeiro sintoma de uma crise existencial por vir? Penso não ser nem um dos dois. Mas estou operando atualmente dentro de um sistema com visão de que não vale a pena acreditar no valor da existência. Que jamais vai haver melhoras à nível moral e material no mundo. E nem progresso nas condições sociais ou qualquer evolução para melhor, seja em que campo for.

Sei que o pessimismo é antes de tudo existencial e metafísico. Mais são as contingências concretas e vividas empiricamente que nos traz esta sensação de impotência ante as demandas da vida. De ver as coisas acontecendo em total antagonismo com aquilo que objetivamente desejaríamos ver. O que faz suscitar a dúvida: será que a felicidade é quimera, pura ilusão? Como fumaça que se levanta mais logo se vai com o vento? Efêmera como a vida? Estou começando a acreditar piamente que Schopenhauer tinha razão ao dizer que viver é sofrer com pequenos instantes de felicidade. Sim, ele estava certo, pois a vida é de fato essencialmente tristeza e sofrimento. Note que no período em que estamos acordados são raros os lampejos de euforia alegria e prazer. No mais são momentos pautados pela preocupação, pelo “correr atrás de” ou “livrar-se de”, da “busca incessante por”. São momentos dominados pelo desejo que nos traz a lembrança de que algo nos falta, da saudade nostálgica, do tédio, da melancolia, da ansiedade angustiante e sentimentos outros, que se não são sofrimento em si, a linha que os separa é tênue demais para ser percebida. Até mesmo aqueles momentos de contemplação, onde temos a sensação de que nossos sentidos nos abandonam, também comunica tristeza e depressão. A tristeza está contida na voz do cantor. Nos versos do poeta.

A força que nos move e faz com que esta realidade tenha seu efeito nocivo atenuado, é a esperança que um dia, quem sabe, consigamos alcançar a tão esperada ataraxia. Mas aí também emerge outra questão não menos perturbadora. Que é o fato da ataraxia estar intrinsecamente associada à apatia, a total insensibilidade às paixões, ao desejo, ao prazer e a dor. Que felicidade é esta? Seria pior ao meu ver, viver cotidianamente estes ciclos intermináveis, irritantemente repetitivos. Sem a mínima dose de prazer. Melhor ficar como está.

Será que a existência é um completo sem sentido? Assim pensava Kierkegaard. Nestes mesmos termos ponderava Nietzcshe. Heidegeer que o diga. Sidarta Gautama afirmou que enquanto estivermos atados ao fio da nossa existência iremos sofrer. O velho Buda tinha plena razão ao dizer que o homem sofre ao nascer, sofre ao envelhecer, sofre quando se está enfermo, quando se une com aquilo que é des-prazeroso ou se separa do que lhe é prazeroso. Sofre ao não obter o que quer. Enfim, sofre quando morre.

Ser desiludido com sua própria existência não é prerrogativa dos fracos. Grandes espíritos também são. E tornou-se um sentimento tão comum que proliferam como praga os livros e palestrantes de auto-ajuda. Que prometem revolucionar os humores e expectativas das pessoas com receitas tolas e infantis, tipo: “pense positivo” “recite frases otimistas” “diga não ao pessimismo” e outros mantras ridículos que surtem efeitos apenas em espíritos fracos. Aliás, esta tem sido a tônica das mensagens pregadas também nos púlpitos de muitas igrejas.

É desonestidade intencional objetivar manter as pessoas presas nas rédeas da ilusão com promessas mirabolantes, gerando nelas a idéia de estarem vivendo num mundo surreal sob a expectativa de que mal nenhum os atingirá. Quando sensato seria dizer para as pessoas que o acaso é caprichoso. Por isso devem estar agradecidas pelo fato de terem sobrevivido por mais um dia, sem que um carro desgovernado atropele seus filhos que brincavam no play ground da escola, sem que o avião no qual viajou sua esposa tenha caído. Sem que tenha sido vitimado por um assaltante. Sem que seja atingido por uma bala perdida, ou acometido por uma doença grave qualquer. Enfim, considere-se um sujeito afortunado por ter sobrevivido por mais um dia nesta terra de ninguém. Um mundo sofredor. Inexoravelmente sofredor.  

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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Homo Philosophicus




EL, EL, EL, GABRIEL (Adriana Calcanhoto)


Porque o fogo queima? Porque a lua é branca?
Porque a terra roda? Porque deitar agora?
Porque as cobras matam? Porque o vidro embaça?
Porque você se pinta? Porque o tempo passa?
Porque que a gente espirra? Porque as unhas crescem?
Porque o sangue corre? Porque que a gente morre?
Do que é feita a nuvem? Do que é feita a neve?
Como é que se escreve Réveillon ?

A filosofia está em todos os lugares, porque cada um de nós, ao longo da vida, se confronta com perguntas filosóficas. Sejam elas das mais simples até as mais complexas. As perguntas filosóficas são compainhas constantes. Do berçário até à clínica de repouso para idosos, nunca paramos de pensar e falar sobre questões filosóficas. Pode haver dúvidas sobre o quanto os seres humanos são realmente sábios, mas é indiscutível o quanto somos filosóficos. Nossa espécie deveria ser chamada de “homo philosophicus”.

O fato de essa onipresença da filosofia não ser de conhecimento comum é em si próprio uma manifestação do seu paradoxo. A maioria das pessoas não percebem que muitas das perguntas sobre as quais vem refletindo sozinha ou na compainha de amigos estão na própria raiz da filosofia.

À exemplo do Gabriel, quando você era pequeno, torturava os adultos assim como você se sente torturado diante das mais variadas perguntas que as crianças lhe fazem.

Quem nunca se irritou diante da insaciável curiosidade e sede de conhecimento que elas possuem, demonstrados nos seus inumeráveis porquês? Quando elas entram na fase de descobrir, querem saber a fundo a utilidade prática de tudo que lhe está sendo ensinado e dos objetos à sua volta. Geralmente elas querem saber a causa de um evento que elas presenciam. Logo que a causa daquele evento lhe é explicada ela quer saber o que causava aquela causa. Via de regra os pais se estressam antes que a curiosidade da criança em relação à cadeia de causas se esgote. Contudo, quando pesquisadas com tenacidade e criatividade suficientes, essas perguntas comuns e simples crescem e se tornam grandes sistemas filosóficos. Aliás são assim que eles nascem.

Sócrates utilizava-se deste método na sua busca de conhecimento. Com a premissa de que nada sabia, fazia uma série de perguntas ao seu interlocutor, e mediante a perplexidade a que as respostas iam dando origem, o levava a uma depuração intelectual, e consequentemente a descoberta da verdade em questão.

Ter uma mente questionadora é uma virtude inata do ser humano. A reflexão é uma das faces maravilhosas da nossa tradição. Nosso principal estímulo é de que a filosofia não é apenas para pessoas brilhantes e de outro mundo, mas simplesmente para as pessoas que pensam, de almas curiosas.

Perguntaram, certa vez, a um filósofo: “Para que filosofia?”. E ele respondeu: “para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.