terça-feira, 24 de abril de 2012

Meu lugar é na platéia




No palco pensamos que Deus está a nossa disposição para atender os nossos caprichos.

No palco corro o risco de pensar que sou o astro (ainda que eu diga o contrário) e esqueça que o único digno de ser reverenciado é o Eterno Deus.

No palco sou levado a crer que as bênçãos de Deus só serão estendidas ao outro através da minha atuação como mediador.

No palco corro o risco de vangloriar-me, por conceber a idéia de que o senhor me abençoou em detrimento daquele que não me ajudou no momento em que chorava.

No palco sou levado a crer que o meu triunfo sobre as adversidades foi justo e merecido, e venha a classificar como indignos os mortos e feridos que não tiveram a mesma sorte.

No palco pode ser que eu me esqueça do evangelho de cruz, de abnegação, e me enverede pelo caminho dum evangelho triunfalista que tem no bem estar do homem a sua centralidade.

No palco pode ser que, ao invés de falar do amor irrestrito de Deus que a tudo transcende, acabe enfatizando um disangelho de retribuições, de terrorismo, onde Deus, ao melhor estilo talibã, castiga aqueles que não foram capazes de satisfazer os seus caprichos.

No palco sou levado a crer que Deus, como expressão exata do papai Noel, me presenteia somente no caso de ter-me comportado bem, e esqueça que nada do que eu fizer o fará me amar mais e nada do que eu deixar de fazer o fará me amar menos.

No palco posso ser possuído pelo pensamento insano, de achar que tenho o direito de ter inimigos, e que, um dia, o “meu Deus” me dará ao luxo de vê-los rastejando para pedir-me perdão. Ou então o Senhor os transformará em tapetes onde limpe os meus pés.

No palco pode ser que me sinta num grau tão elevado que não perceba as ambigüidades dentro do meu ser, e numa leitura equivocada das situações conclua que Deus me deve alguma coisa, e por isso tenho o direito de exigir dEle a restituição.

No palco corro o risco de pensar que todos aqueles que ainda estão na platéia, é porque não atingiram o mesmo nível de fidelidade que alcancei, logo, estão mesmo vivendo na concretude à margem da graça de Deus por questões de mérito.

No palco, vou estar almejando os aplausos e elogios. Sempre buscando a condição de celebridade, a figura central das salas Vips, onde confraternize com a cúpula, e não chore por aqueles que são friamente excluídos por não gozarem da mesma importância.

No palco posso ser tomado pelo sentimento de que existem patamares ainda mais altos a serem alcançados, e a posição atual é apenas o trampolim para uma carreira de maior sucesso, e negligencie a verdade de que muitos na ambição de serem ricos e detentores de poder, caem em muitas ciladas, e os cuidados da vida e a sedução das riquezas venha sufocar a semente do evangelho no meu coração.

No palco pode ser que, na tentativa de tornar-me cada dia mais popular, mais admirado por todos, queira agir apenas com base no politicamente correto, e mascare ou suprima as exigências do evangelho no tocante às atitudes humanas.

No palco pode acontecer de sobrecarregar-me de tal maneira que eu não tenha mais tempo de reciclar meus conhecimentos e me aprofundar mais no estudo da teologia, e fique apenas na superficialidade dos textos bíblicos.

Não quero estar no palco, porque pode ser que na tentativa de fazer manutenção do meu status, venha a negligenciar valores absolutos como dignidade, ética, e o padrão moral exigido por uma sociedade sadia.

No palco estaria muito preocupado com minha performance em oratória e esqueceria que o mais importante é o crescimento do reino de Deus e o enlevo espiritual dos seus servos.

No palco posso ser tentado a proferir frases de efeitos como “o melhor de Deus está por vir” e não considerar que o melhor que poderia nos acontecer foi a vinda do Filho de Deus para nos salvar, e tenha o foco desviado para a esfera da conquista material.

No palco pode ser que na tentativa de criar um clima favorável, venha a proferir jargões decorados como por exemplo: “você não vai morrer enquanto o senhor não cumprir as promessas que te fez” ou: “Hoje seu milagre vai chegar”, sem refletir sobre a possibilidade disso não acontecer, e a confiança depositada em Deus venha ser comprometida.

O palco, no qual eu me refiro é uma alegoria que representa o indivíduo que quer estar em evidência a todo custo. Eu prefiro estar na platéia em condição de igualdade com todos. Sendo, de igual modo, todos, participantes da graça e misericórdia de Deus. Ciente que o único digno de estar em posição de destaque é o Eterno Deus.

Por Donizete.

sábado, 7 de abril de 2012

O VALOR DE UM MARTÍRIO



O martírio cristão é um tema que tem despertado minha curiosidade nesses últimos dias. Primeiramente em razão da veiculação da notícia da condenação do pastor Yousef Nadarkhani em terras iranianas. Segundo algumas agências de notícias, o tribunal da província de Gilan deu ao Pastor Nadarkhani a oportunidade de se retratar e renunciar à sua religião cristã, já que ele vem de uma família de ascendência islâmica, porém ele se recusou. O que resultou em sua condenação e sentença a morte por enforcamento.

Depois pelo contato com o inspirador e desafiador livro Bonhoeffer, pastor, mártir, profeta, espião.Lançado recentemente pela Editora Mundo Cristão. O livro é uma biografia de Dietrich Bonhoeffer, um dos principais teólogos alemães que juntamente com Barth se destacou como uma das figuras principais da resistência contra o regime nazista. Mas que teve a sua luta interrompida a poucas semanas do fim do Terceiro Reich, sendo enforcado por ordem direta de Adolf Hitler.

Em termos gerais um mártir é uma pessoa que morre por sua fé religiosa. Ainda que no decorrer da história, o termo tenha ganhado outros conceitos, como por exemplo; morrer patrioticamente pela liberdade e independência de um povo, ou por um ideal político ou social. Entretanto, do ponto de vista cristão e dentro do contexto no qual se desenvolveu a história da igreja, o mártir é aquele que preferiu morrer, ante a opção de renunciar a sua fé em cristo. Ou seja, decidiu entregar sua vida para que a essência da verdade professada por ele fosse preservada.

Escritos dos pais da igreja primitiva, revelam que o martírio pode ser considerado o testemunho final, a completa declaração pessoal da fé em Cristo, a maior proclamação da palavra de Deus. A primitiva comunidade cristã viam nos irmãos que perdiam a vida com o martírio, um estímulo à perseverança e novos intercessores junto com Cristo. Os mártires eram o orgulho da fé cristã, sendo também um fator determinante para o crescimento do movimento cristão nos primeiros séculos. Tanto é verdade que Tertuliano, cunhou nesta época sua célebre frase “O sangue dos mártires é a semente da Igreja”

Ainda hoje, os cristãos consideram o martírio como sendo a mais alta identificação com Cristo. Realizando inclusive a bem aventurança proclamada por Jesus: “Bem aventurado sois vós quando vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós por causa de mim”, afirmando entre outras coisas que a falta de mártires em alguns locais deve-se a perda de identidade com Jesus. E que a partir do momento em que igreja não é contestada, questionada ou perseguida, ela deve seriamente se perguntar se está sendo fiel à sua missão.   

Não pretendo neste artigo enumerar os mártires, que teve com Estevão à inauguração de sua era, nem tão pouco entrar no mérito da veracidade dos escritos que a tradição cristã dispõe sobre o assunto. Mas como contra ponto a esta convicção, que para os cristãos tem caráter irrefutável, coloco a respeitável opinião de Nietzsche. Sendo inclusive, a partir exatamente do conceito nietzscheano que proponho a base para os amigos confrades exporem também suas opiniões.

Em sua obra O Anticristo, Nietzsche disse o seguinte: “que mártires provem algo pela verdade de uma causa, é tão pouco verdadeiro, que eu negaria que jamais um mártir teve em geral algo que ver com a verdade. No tom com que o mártir lança à cara do mundo sua certeza de verdade, já se exprime um grau tão baixo de honestidade intelectual, um tal embotamento para a questão da verdade, que nunca é preciso refutar um mártir.”
Em outro texto o pensador alemão afirma que: “a morte de mártires, dito de passagem, foram uma grande infelicidade na história: seduziram a conclusão de todos os idiotas, mulher e povo inclusive, de que uma causa pela qual alguém vai a morte tem de haver algo  (...) Altera-se algo no valor de uma causa, se alguém deixa por ela sua vida?” Indiretamente Nietzsche considera uma estupidez valorizar uma causa em detrimento da vida, e que a morte dos mártires nada faz além de seduzir e prejudicar a verdade. 

Ainda neste mesmo texto Nietzsche cita as palavras de Zaratustra, que são ainda mais categóricas em relação a este assunto: “Signos de sangue escreveram eles sobre o caminho que seguiam, e seu disparate ensinava que com sangue se prova a verdade. Mas o sangue é a pior testemunha da verdade; sangue envenena ainda  mais o puro ensinamento, em delírio e ódio dos corações. E se alguém passou através do fogo por seu ensinamento – o que prova isso! Mais vale, em verdade, que de seu próprio incêndio saia sua própria doutrina.”

Percebemos com isso que não existem verdades, práticas ou certezas diante das quais haja total unanimidade e unidade de pensamento. Devemos reconhecer este fato com humildade. E em relação ao assunto em pauta, o cristão se depara com uma dialética que via de regra lhe passa despercebida, mas que exige dele uma solução: a de que o Deus, autor da vida, que leva o homem naturalmente a prezá-la como seu bem maior, exige dele que a renuncie em favor de si.  

Para concluir, é bom lembrarmos que a tradição cristã faz com razão, uma nítida diferenciação entre o suicídio e o martírio. Condenando veementemente o primeiro e em alguns casos até aconselhando o segundo. É lógico que não devemos aproximar ou comparar o suicídio com o martírio. Mas não podemos negar que há entre os dois casos, pelo menos um ponto de contato: Ambos evidenciam um certo desdem pela vida. 

Por Donizete.

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