terça-feira, 22 de novembro de 2011

Seria Paulo universalista? Parte 2


Salvação na perspectiva de Lucas, tinha a mesma conotação do período vétero- testamentário. O professor e escritor Eben Hans Scheffler, em seu tratado sobre Lucas-Atos, afirma que Lucas emprega uma “linguagem de salvação” quanto a um espectro muito amplo em circunstâncias humanas – o fim da pobreza, discriminação, doença, possessão demoníaca, pecado, etc... Ou seja, era associada ao sofrimento econômico, social, político, físico, psicológico e espiritual.
Segundo Scheffler, para Lucas a salvação é, sobretudo, algo que se realiza nesta vida, hoje. Citando especificamente, as palavras de Jesus registradas em 4:21; 19:9; 23:43. Para Lucas, salvação é salvação presente.
E em função disso, (visto ser Lucas colaborador de Paulo em suas viagens missionárias) que é importante realçar que a mensagem evangelística de Paulo não é uma mensagem negativa. Ele não tem a incumbência de anunciar uma destruição arbitrária do mundo em um apocalipse vindouro, onde os bons seriam separados dos maus, sendo que, apenas os primeiros seriam dignos de uma bem-aventurança na eternidade.
É nesse sentido que David Bosch, em seu livro, Missão transformadora, afirma que a mensagem de Paulo é iminentemente positiva. Todas as vezes que ele faz menção da ira de Deus, é apenas no sentido de fazer um contraste sombrio de uma mensagem caracterizada por boas novas.
Segundo Bosch, “Deus já veio a nós em seu filho e retornará em glória. A missão de Paulo é o anúncio do senhorio de Cristo sobre toda a realidade e um convite para submeter-se a Ele; através da sua pregação, Paulo deseja evocar a confissão ‘Jesus é o Senhor!’. A boa nova é que o reinado de Deus, presente em Jesus Cristo, reuniu a todos nós sob o juízo e, no mesmo ato, reuniu a todos nós sobre a graça. Mas isso não implica que o evangelho seja uma introspecção mística ou a salvação de almas individuais, retirando-nos de um mundo perdido e lavando-nos para a segurança da igreja. Trata-se, pelo contrário, de uma proclamação de um novo estado de coisas que Deus iniciou em Cristo, que diz respeito as nações e à integralidade da criação e culmina na celebração da glória final de Deus.”
Desse modo Paulo tem em sua missão, o objetivo de ampliar já no mundo presente, o domínio do mundo vindouro de Deus. Na sua concepção, o reino de Deus havia sido inaugurado, e sua mensagem consistia em anunciar esta verdade.
Significa dizer então que Paulo era um “universalista” no sentido de prever a salvação derradeira de toda a humanidade? Algumas de suas afirmações parecem asseverar que tão somente uma parte da comunidade humana será salva; outras aparentam sugerir que, no final, todas as pessoas serão salvas.
O professor do novo testamento Eugene Boring, publicou recentemente um artigo esclarecedor e provocativo sobre esse tema.
Segundo Boring, “uma minoria de estudiosos sustenta que Paulo é, efetivamente, um universalista; subordinam, então, os textos particularistas aos universalistas. A maioria parece enveredar para a direção oposta: subordinando as passagens universalistas às particularistas, concluem que Paulo é, na verdade, um particularista. Outras tentam solucionar o problema sustentando que há um desdobramento progressivo em Paulo, que vai do “particularismo” ao universalismo”.
Para tentar solucionar as afirmações conflitantes em Paulo, ou tentar pelo menos harmonizá-las, devemos compreender que ele era um pensador coerente, mas em certos assuntos não era sistemático.
Boring diz que, no tema em discussão, Paulo opera com duas imagens aparentemente antagônicas. Nas denominadas passagens particularistas, a imagem abarcante é a de Deus-juiz. Nesta imagem existem “vencedores” (aqueles que são salvos) e “perdedores” (aqueles que se perdem, mesmo que Paulo, inclusive aqui, não aprofunde a questão do destino dos condenados; Como já foi dito, Paulo não possui uma doutrina de inferno.) Nas passagens “universalistas” por seu turno, o motivo dominante é Deus-o-rei. Enquanto que o Deus-juiz separa, Deus-o-rei une a todos em seu reinado.  
Por isso se torna inevitável as perguntas: até que ponto é viável ou possível fundir essas duas imagens em uma só? Até que ponto posso me permitir a prerrogativa de escolher entre “particularismo” e “universalismo”? Existe uma maneira de tornar harmônica duas afirmações colidentes?
Bosch diz que, Nenhuma opção faria jus às delicadas nuanças do pensamento paulino. Paulo está em condições, por um lado, de proclamar, com certeza absoluta, que Deus será tudo em todos e que toda língua confessará a Jesus como Senhor. Concomitantemente, ele é capaz de insistir na missão cristã como um dever ao qual não é possível renunciar. As pessoas precisam se “transferir” da velha realidade para a nova mediante um ato de fé e compromisso, pois só Cristo pode salvá-las. Cada qual carece ouvir o evangelho da justificação pela fé. A justiça de Deus não se torna efetiva automaticamente, mas necessita ser apropriada pela fé, o que só é possível onde às pessoas tiverem ouvido a proclamação do evangelho.  
Por isso se vê nas entrelinhas, que Paulo, na maioria das vezes, se abstém de afirmar inequivocamente a salvação universal; o impulso para tal noção e feita pela ênfase na responsabilidade e obediência daquelas pessoas que ouviram o evangelho. Neste sentido é que torna relevante a RESPOSTA HUMANA. A salvação oferecida por Deus é universal, mas nunca chega ao ponto de anulá-la.

Por Donizete.

Bibliografia. Missão Transformadora. Bosch, David, J.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Seria Paulo universalista? Parte 1


 
Durante á história da igreja, aconteceram diversas mudanças de paradigmas envolvendo até mesmo as doutrinas centrais da fé cristã. Uma delas é a soteriologia, divisão da teologia sistemática que estuda a salvação humana.
Cada religião oferece um tipo diferente de salvação e possui sua própria soteriologia. Algumas dão ênfase ao relacionamento do homem em unidade com Deus, outras dão ênfase ao aprimoramento do conhecimento humano como forma de se obter a salvação.
Na ortodoxia cristã, a salvação é estabelecida através de Jesus Cristo. A soteriologia no cristianismo estuda como Deus separa as pessoas condenadas pelo pecado e os reconcilia com Deus. Os cristãos recebem o perdão dos pecados, vida e salvação adquirido por Jesus Cristo através de seu sofrimento inocente, morte e ressurreição após sua morte. Esta graça da salvação é recebida sempre pela fé em Jesus Cristo, através da palavra de Deus. Note que, nesta breve inserção estão inclusos todos os elementos que envolve um estudo com perspectivas soteriológicas.
Mas pretendo chamar a atenção para os diferentes modelos de salvação. Em dado momento da história, a salvação era projetada para o âmbito da objetividade e da prática, em outros para a subjetividade e abstração. Durante a maior parte do tempo a salvação esteve ligada ao campo físico e tangível, em outros a salvação é sempre associada à esfera espiritual, metafísica. Grupos cristãos advogam que a salvação é holística, abarca o indivíduo na sua plenitude, enquanto outros defendem uma tricotomia, e que a parte onde à salvação é levada ao efeito, é apenas a espiritual.
É nessa discussão que incluímos Paulo como personagem principal. Visto ser ele um grande empreendedor no campo missionário, sempre anunciando o evangelho de Cristo, do qual ele afirmou que não se envergonhava, porque era o poder de Deus para a SALVAÇÃO de todo aquele que crê.
Surge então uma pergunta pertinente: Salvação do que, visto que Paulo não possui uma doutrina de inferno? Qual seria então a essência da mensagem pregada por Paulo tanto a Judeus como aos gentios?
Seria importante considerar que o cristianismo teve sua nascente no judaísmo. E precisamos entender que a salvação no judaísmo não tem o mesmo sentido salvífico do cristianismo. No judaísmo não há promessas de um mundo porvir, nem paraíso, e nem inferno. De modo geral a idéia de salvação no antigo testamento é essencialmente materialista. Está sempre ligada à libertação de perigos, cura de enfermidades, e por fim, a vitória final sobre os inimigos e a possessão definitiva de Sião.
Uma similaridade entre o judaísmo e o cristianismo é no tocante a ressurreição. Contudo ela é baseada em premissas diferentes. A salvação final para o judaísmo não é exclusiva dos judeus. Mas se estende a todos os homens de bem, seja qual for o seu credo, que pautaram sua vida em padrões éticos e de justiça. Mesmo aqueles que não agiram tão bem, mas são capazes de arrependimento, merecem sobreviver por todos os tempos, quando o Messias chegar.

Por Donizete.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Afirmações diretas das escrituras


Entende-se por afirmações diretas das escrituras o método utilizado pelos teólogos para apoiar um ensino. Em síntese, é o uso de um texto bíblico para a elaboração e sustentação de uma doutrina. O problema é que, as afirmações diretas, às vezes na sua superfície parecem soar como absolutas, mas podem, contudo, ser qualificadas ou relativizadas por outras evidências da própria escritura.

Em muitos casos o material bíblico é bastante claro onde a pessoa pode afirmar sua doutrina com precisão. Em outros casos, porém, a evidência das escrituras é escassa e indistinta, e qualquer conclusão a que se chegue deve ser encarada apenas como uma das possíveis.
Não devemos sustentar um argumento apoiado por um versículo das escrituras tirado do seu contexto e absolutizado, sem referência ao ensino bíblico mais amplo sobre o assunto, ou seja: usar uma referência sem levar em conta o contexto literário e histórico no qual o texto está inserido.

As afirmações diretas das escrituras são usadas geralmente como “trunfo” numa discussão de caráter teológico. Porém é importante saber que, uma afirmação tem autoridade até o ponto em que esta afirmação seja interpretada de modo correto dentro do seu contexto. É um erro primário descontextualizá-la para torná-la universalmente válida.

Uma qualidade chave que todo cristão deve desenvolver é a habilidade de reconhecer uma distinção entre a verdade e o entendimento particular que alguém ou ele próprio tem da verdade. Não se trata de insegurança ou incapacidade de descobrir respostas, mas sim por princípios epistemológicos.

Recentemente li um texto que Rubem Alves escreveu no jornal Correio popular aqui de Campinas, mas que já havia escrito anteriormente na folha de São Paulo, em 30 de setembro de 2008 que ilustra muito bem esse ponto.

Geralmente evito colocar produções de outros autores. Mas o texto abaixo é tão interessante e responde tão claramente à idéia que muitos possuem, sobretudo alguns fundamentalistas que acreditam que tudo o que está escrito na Bíblia deve ser observado irrestritamente que resolvi publicar:                                                     

"Digo isso a propósito de carta dirigida a Laura Schlessinger, conhecida locutora de rádio nos Estados Unidos. Que tem um desses programas interativos que dá respostas e conselhos aos ouvintes que a chamam ao telefone. Recentemente, perguntada sobre homossexualidade, a locutora disse que se tratava de uma abominação, pois assim a Bíblia afirma no livro de Levítico 18:22 .

Um ouvinte escreveu-lhe então uma carta que vou transcrever: “Querida dra. Laura: Muito obrigado por se esforçar tanto para educar as pessoas segundo a Lei de Deus. Eu mesmo tenho aprendido muito em seu programa de rádio e desejo compartilhar meus conhecimentos com o maior número de pessoas possível.

Por exemplo, quando alguém se põe a defender o estilo homossexual de vida, eu me limito a lembrar-lhe que o livro de Levítico, no capítulo 18, versículo 22, estabelece claramente que a homossexualidade é uma aberração. E ponto final... Mas, de qualquer forma, necessito de alguns conselhos adicionais de sua parte a respeito de outras leis bíblicas concretamente sobre a forma de cumpri-las:

Gostaria de vender minha filha como serva, tal como indica o livro de Êxodo, 21:7. Nos tempos que vivemos, na sua opinião, qual seria o preço adequado?

O livro de Levítico 25:44 estabelece que posso possuir escravos, tanto homens como mulheres, desde que sejam adquiridos de países vizinhos. Um amigo meu afirma que isso só se aplica aos mexicanos, mas não aos canadenses. Será que senhora poderia esclarecer esse ponto? Por que não posso possuir canadenses?

Sei que não estou autorizado a ter qualquer contato com mulher alguma no seu período de impureza menstrual (Lev. 18:19, 20:18 etc). O problema que se me coloca é o seguinte: como posso saber se as mulheres estão menstruadas ou não? Tenho tentado perguntar-lhes, mas muitas mulheres são tímidas e outras se sentem ofendidas.

Tenho um vizinho que insiste em trabalhar no sábado. O livro Êxodo 35:2 claramente estabelece que quem trabalha no sábado deve receber a pena de morte. Isso quer dizer que eu, pessoalmente, sou obrigado a matá-lo? Será que a senhora poderia, de alguma maneira, aliviar-me dessa obrigação aborrecida?

No livro de Levítico 21:18-21 está estabelecido que uma pessoa não poderá se aproximar do altar de Deus se tiver algum defeito na vista. Preciso confessar que eu necessito de óculos para ver. Minha acuidade visual tem de ser 100% para que eu me aproxime do altar de Deus? Será que se pode abrandar um pouco essa exigência?

A maioria de meus amigos homens tem o cabelo bem cortado, muito embora isto esteja claramente proibido em Levítico 19:27. Como é que eles devem morrer?

Eu sei, graças ao Levítico 11:6-8, que quem tocar a pele de um porco morto fica impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele de porco. Será que será permitido continuar a jogar futebol americano se usar luvas?

Meu tio tem uma granja. Deixa de cumprir o que diz o Levítico 19:19, pois planta dois tipos de sementes no mesmo campo, e também deixa de cumprir a sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes, a saber, algodão e poliéster.

Além disso, ela passa o dia proferindo blasfêmias e maldizendo. Será que é preciso levar a cabo o complicado procedimento de reunir todas as pessoas da vila para apedrejá-los?

Não poderíamos adotar um procedimento mais simples, qual seja, o de queimá-los numa reunião privada, como se faz com um homem que dorme com sua sogra, ou uma mulher que dorme com seu sogro? (Levítico 20:14).

Sei que senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que a Palavra de Deus é eterna e imutável””.


Donizete.