quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Resiliência


 Resiliência foi uma palavra utilizada pela primeira vez pelo físico Thomas Young em 1807 que a usou para descrever a capacidade de um corpo deformado por uma força externa voltar ao estado natural quando esta mesma força é cessada. Ela descreve a característica de um corpo ou de um objeto que lhe permite sofrer impactos ou deformações e em seguida recuperar a sua forma original. O elástico e a borracha é um bom exemplo de materiais considerados resilientes pela física. Porém a água é o material mais resiliente que existe. 

Apesar de ser um termo relativamente novo, pois só começou a ser adotado de forma sistemática a partir de 1998, é largamente aplicado em vários segmentos da sociedade: no mundo corporativo, no mercado financeiro, na medicina, mais sobretudo na psicologia. É lógico que nestas situações ele é empregado de forma figurada. 

Na psicologia é a capacidade que um indivíduo apresenta após um momento de adversidade de conseguir se adaptar ou evoluir positivamente às situações. É a flexibilidade, a habilidade para adaptar-se às mudanças, se reerguer. Em suma, é a capacidade de superar os traumas causados pelas perdas. Perdas de vidas, de bens, da saúde. Sem esse fenômeno uma mãe jamais suportaria a perda de um filho. É a capacidade de enfrentar as tragédias da vida, de transcender obstáculos, resistir às pressões, os choques, administrar tensões ou qualquer situação crítica. a expressão “poder de recuperação” de uma pessoa, trás o sentido de que ela sofreu algum dano, mas conseguiu se recuperar dele. A resiliência conduz a idéia de que o golpe foi totalmente absorvido, o que na psicologia é chamado de psicoadaptação. 

Na Bíblia, talvez a palavra que em seu significado mais se aproxima da resiliência seja a perseverança. Não obstante podemos identificar esta qualidade em muitos personagens. Nos patriarcas, líderes políticos e religiosos mais principalmente no apóstolo Paulo; leia o que ele disse em Filipenses 4:11-13:  “Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade.Tudo posso naquele que me fortalece”.

Certamente Paulo tinha muita coisa em mente, muitas experiências de vida ainda na memória ao fazer esta dissertação. Mais é apenas um entre milhões de indivíduos que tiveram na resiliência o segredo para a superação. 
Uma pessoa que tem baixo grau de resiliência suporta inadequadamente suas adversidades e crises. O que distingue o resiliente do não resiliente é exatamente a reação ou os efeitos que as adversidades produzem no aspecto psicológico: 
a pessoa resiliente se recupera com maior facilidade das experiências traumáticas sem ser tomada pela depressão, ansiedade e comportamentos de riscos. 
A pessoa resiliente consegue transformar as adversidades em oportunidades. O resiliente consegue superar os traumas sem querer se passar por vitima. A pessoa resiliente não apenas sobrevive ao impacto causado por uma contingência, mas sabe como curar as feridas e seguir em frente. O resiliente tem a capacidade potencial de sair ferido, contudo fortalecido de uma experiência traumática.
Todos nós conhecemos pessoas que passaram por situações críticas, entretanto deram a volta por cima, enquanto outros se entregaram a sua sorte. A diferença está justamente nesta habilidade de absorver os impactos provocados pelas experiências emocionais de forte intensidade.
Todas as pessoas precisam de resiliência, porque uma coisa é certa: “no mundo tereis aflições”. (Jô 16:33) Na vida está incluso momentos adversos. Ninguém, absolutamente, esta imune a esta realidade. A dor, as derrotas, as lágrimas devem ser sempre evitadas, mas ninguém vive continuamente em céu de brigadeiro. As turbulências são inevitáveis até mesmo em dias de céu claro.
A dúvida que surge é se a resiliência é inata ou adquirida? Segundo os especialistas na área de psicologia a resiliência não é uma característica que nasce com o indivíduo, mas sim uma particularidade que vai se construindo a partir das experiências, da interação da pessoa com o meio, com a conjuntura. Portanto se adquire a partir de um processo dinâmico. O que não quer dizer que quanto mais experiências trágicas mais resilientes a pessoa fica. Mas sim a maneira com que a pessoa encara àquela experiência.
Uma pessoa determinada, que não desiste de seus sonhos, apesar do seu caos, tem muito mais chance de usar seu caos como oportunidade criativa. A lição que aprendemos com o apóstolo Paulo é que, a resiliência torna a pessoa segura, estruturada, que não se submete às derrotas. Usa  as dificuldades, crises, perdas e adversidades como oportunidades. Geralmente as adversidades nos constroem ou nos destroem. Devemos usá-las sempre para se reconstruir.

"Quem tem "porque" viver pode suportar quase qualquer "como"  Nietzsche.

Um abraço. Donizete.

Bibliografia:
O código da inteligência, Augusto Cury, Ediouro
Artigo: Resiliência, o Verdadeiro Significado- Isabel Camilo Galieta
Dissertação: O que é resiliência humana – Uma contribuição para a construção do conceito. – Lisete Barlach

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A INCOMPATIBILIDADE DAS RELIGIÕES DO LIVRO

Por Eduardo Medeiros

  

APESAR DE TEREM uma origem comum e de pertencerem teoricamente ao mesmo Deus, judaísmo, cristianismo e islamismo, conhecidas como "Religiões do Livro" atravessaram a história em grandes conflitos.  O judaísmo não reconheceu em Jesus o messias esperado e rejeita a partir de suas compreensões religiosas tanto o cristianismo quanto o islamismo. O cristianismo já foi anti-semita, julgou o povo judeu de ser responsável pela morte de Jesus e ainda hoje questiona a "cegueira espiritual" dos judeus; de igual modo, nunca cogitou aceitar a revelação de Deus no Corão como válida já que ali é negado a morte de Cristo na cruz (S.4-v.156) e o caráter de Filho de Deus do Nazareno(S.5-v.76 e 79); por consequinte, rejeita sua ressurreição. Por sua vez, o islã se julga como depositário da última revelação de Deus na linha direta de Abrãao, de Moisés e de Jesus. Evidentemente, não aceita os pressupostos nem do judaísmo e nem do cristianismo.

Quem tem a revelação "verdadeira"? Qual livro é "infalível", "inerrante", "inspirado"?

POR SUA NATUREZA os monoteístas são geradores de fanatismo religiosos, especialmente no início das suas histórias. Eles cultivaram uma CRENÇA PERIGOSA: a de terem, cada um, A VERDADE. Junte-se a isso, a missão auto-imposta de converter o mundo(cristianismo e islamismo) que foi geradora de intermináveis banhos de sangue durante os séculos.

 POR ESTA e outras razões, não posso admitir que a Bíblia seja A REVELAÇÃO ÚNICA E INFALÍVEL DE DEUS, assim também com a Torá e com o Corão,  pois não há qualquer comprovação histórica acima de qualquer refutação para tal afirmação. Ninguém pode se declarar dono da inspiração divina. Qualquer afirmação nesse campo não vai além da crença e da fé. E fé por fé, quem pode negar a fé do outro? baseado em quê? Em sua crença que tem a "verdade"? Mas se o outro também afirma a mesma coisa, qual parâmetro imparcial que existe para se provar que um está certo e o outro errado? NÃO EXISTE TAL PARÂMETRO, a não ser os parâmetros de cada um em seus círculos dogmáticos subjetivos.

REPITO aqui um recente comentário que fiz no blog da Confraria:

como seria bom se um dia todas as religiões do mundo fizessem das duas uma:

1 - Decretariam que a partir daquele momento todos as intituições, todos os dogmas, todos os rituais e toda a alienação que sua religião provoca estariam sumariamente abolidas e só restaria essa dimensão psíquica NECESSÁRIA ao homo sapiens de ser homo religiosus mas nada mais poderia ser construído a partir daí, apenas a CONTEMPLAÇÃO, o que acarretaria que todas as imagens de Deus não teriam mais importância alguma, pois todos chegaríam à conclusão que todas elas são incompletas, geradoras de conflitos, reducionistas, individualistas e absolutistas.

ou,

2 - Estaria decretado que toda e qualquer religião chegaria à compreensão de que todos os seus ritos, dogmas e preceitos, são apenas construções culturais e que em nada reflete a VERDADE ABSOLUTA DIVINA; daí, resultaria que todos os religiosos não mais tomaram para si a VERDADE DA FÉ, mas compreenderiam que a VERDADE RELIGIOSA DO OUTRO é complemento para a sua própria; e quem nem assim, com todas as fés do mundo juntas se complementando em suas diferenças, ainda sim, não chegariam nem próximo da VERDADE ABSOLUTA DIVINA, pois ela está fora do alcance de nossas mentes.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Seria Paulo universalista? Parte 2


Salvação na perspectiva de Lucas, tinha a mesma conotação do período vétero- testamentário. O professor e escritor Eben Hans Scheffler, em seu tratado sobre Lucas-Atos, afirma que Lucas emprega uma “linguagem de salvação” quanto a um espectro muito amplo em circunstâncias humanas – o fim da pobreza, discriminação, doença, possessão demoníaca, pecado, etc... Ou seja, era associada ao sofrimento econômico, social, político, físico, psicológico e espiritual.
Segundo Scheffler, para Lucas a salvação é, sobretudo, algo que se realiza nesta vida, hoje. Citando especificamente, as palavras de Jesus registradas em 4:21; 19:9; 23:43. Para Lucas, salvação é salvação presente.
E em função disso, (visto ser Lucas colaborador de Paulo em suas viagens missionárias) que é importante realçar que a mensagem evangelística de Paulo não é uma mensagem negativa. Ele não tem a incumbência de anunciar uma destruição arbitrária do mundo em um apocalipse vindouro, onde os bons seriam separados dos maus, sendo que, apenas os primeiros seriam dignos de uma bem-aventurança na eternidade.
É nesse sentido que David Bosch, em seu livro, Missão transformadora, afirma que a mensagem de Paulo é iminentemente positiva. Todas as vezes que ele faz menção da ira de Deus, é apenas no sentido de fazer um contraste sombrio de uma mensagem caracterizada por boas novas.
Segundo Bosch, “Deus já veio a nós em seu filho e retornará em glória. A missão de Paulo é o anúncio do senhorio de Cristo sobre toda a realidade e um convite para submeter-se a Ele; através da sua pregação, Paulo deseja evocar a confissão ‘Jesus é o Senhor!’. A boa nova é que o reinado de Deus, presente em Jesus Cristo, reuniu a todos nós sob o juízo e, no mesmo ato, reuniu a todos nós sobre a graça. Mas isso não implica que o evangelho seja uma introspecção mística ou a salvação de almas individuais, retirando-nos de um mundo perdido e lavando-nos para a segurança da igreja. Trata-se, pelo contrário, de uma proclamação de um novo estado de coisas que Deus iniciou em Cristo, que diz respeito as nações e à integralidade da criação e culmina na celebração da glória final de Deus.”
Desse modo Paulo tem em sua missão, o objetivo de ampliar já no mundo presente, o domínio do mundo vindouro de Deus. Na sua concepção, o reino de Deus havia sido inaugurado, e sua mensagem consistia em anunciar esta verdade.
Significa dizer então que Paulo era um “universalista” no sentido de prever a salvação derradeira de toda a humanidade? Algumas de suas afirmações parecem asseverar que tão somente uma parte da comunidade humana será salva; outras aparentam sugerir que, no final, todas as pessoas serão salvas.
O professor do novo testamento Eugene Boring, publicou recentemente um artigo esclarecedor e provocativo sobre esse tema.
Segundo Boring, “uma minoria de estudiosos sustenta que Paulo é, efetivamente, um universalista; subordinam, então, os textos particularistas aos universalistas. A maioria parece enveredar para a direção oposta: subordinando as passagens universalistas às particularistas, concluem que Paulo é, na verdade, um particularista. Outras tentam solucionar o problema sustentando que há um desdobramento progressivo em Paulo, que vai do “particularismo” ao universalismo”.
Para tentar solucionar as afirmações conflitantes em Paulo, ou tentar pelo menos harmonizá-las, devemos compreender que ele era um pensador coerente, mas em certos assuntos não era sistemático.
Boring diz que, no tema em discussão, Paulo opera com duas imagens aparentemente antagônicas. Nas denominadas passagens particularistas, a imagem abarcante é a de Deus-juiz. Nesta imagem existem “vencedores” (aqueles que são salvos) e “perdedores” (aqueles que se perdem, mesmo que Paulo, inclusive aqui, não aprofunde a questão do destino dos condenados; Como já foi dito, Paulo não possui uma doutrina de inferno.) Nas passagens “universalistas” por seu turno, o motivo dominante é Deus-o-rei. Enquanto que o Deus-juiz separa, Deus-o-rei une a todos em seu reinado.  
Por isso se torna inevitável as perguntas: até que ponto é viável ou possível fundir essas duas imagens em uma só? Até que ponto posso me permitir a prerrogativa de escolher entre “particularismo” e “universalismo”? Existe uma maneira de tornar harmônica duas afirmações colidentes?
Bosch diz que, Nenhuma opção faria jus às delicadas nuanças do pensamento paulino. Paulo está em condições, por um lado, de proclamar, com certeza absoluta, que Deus será tudo em todos e que toda língua confessará a Jesus como Senhor. Concomitantemente, ele é capaz de insistir na missão cristã como um dever ao qual não é possível renunciar. As pessoas precisam se “transferir” da velha realidade para a nova mediante um ato de fé e compromisso, pois só Cristo pode salvá-las. Cada qual carece ouvir o evangelho da justificação pela fé. A justiça de Deus não se torna efetiva automaticamente, mas necessita ser apropriada pela fé, o que só é possível onde às pessoas tiverem ouvido a proclamação do evangelho.  
Por isso se vê nas entrelinhas, que Paulo, na maioria das vezes, se abstém de afirmar inequivocamente a salvação universal; o impulso para tal noção e feita pela ênfase na responsabilidade e obediência daquelas pessoas que ouviram o evangelho. Neste sentido é que torna relevante a RESPOSTA HUMANA. A salvação oferecida por Deus é universal, mas nunca chega ao ponto de anulá-la.

Por Donizete.

Bibliografia. Missão Transformadora. Bosch, David, J.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Seria Paulo universalista? Parte 1


 
Durante á história da igreja, aconteceram diversas mudanças de paradigmas envolvendo até mesmo as doutrinas centrais da fé cristã. Uma delas é a soteriologia, divisão da teologia sistemática que estuda a salvação humana.
Cada religião oferece um tipo diferente de salvação e possui sua própria soteriologia. Algumas dão ênfase ao relacionamento do homem em unidade com Deus, outras dão ênfase ao aprimoramento do conhecimento humano como forma de se obter a salvação.
Na ortodoxia cristã, a salvação é estabelecida através de Jesus Cristo. A soteriologia no cristianismo estuda como Deus separa as pessoas condenadas pelo pecado e os reconcilia com Deus. Os cristãos recebem o perdão dos pecados, vida e salvação adquirido por Jesus Cristo através de seu sofrimento inocente, morte e ressurreição após sua morte. Esta graça da salvação é recebida sempre pela fé em Jesus Cristo, através da palavra de Deus. Note que, nesta breve inserção estão inclusos todos os elementos que envolve um estudo com perspectivas soteriológicas.
Mas pretendo chamar a atenção para os diferentes modelos de salvação. Em dado momento da história, a salvação era projetada para o âmbito da objetividade e da prática, em outros para a subjetividade e abstração. Durante a maior parte do tempo a salvação esteve ligada ao campo físico e tangível, em outros a salvação é sempre associada à esfera espiritual, metafísica. Grupos cristãos advogam que a salvação é holística, abarca o indivíduo na sua plenitude, enquanto outros defendem uma tricotomia, e que a parte onde à salvação é levada ao efeito, é apenas a espiritual.
É nessa discussão que incluímos Paulo como personagem principal. Visto ser ele um grande empreendedor no campo missionário, sempre anunciando o evangelho de Cristo, do qual ele afirmou que não se envergonhava, porque era o poder de Deus para a SALVAÇÃO de todo aquele que crê.
Surge então uma pergunta pertinente: Salvação do que, visto que Paulo não possui uma doutrina de inferno? Qual seria então a essência da mensagem pregada por Paulo tanto a Judeus como aos gentios?
Seria importante considerar que o cristianismo teve sua nascente no judaísmo. E precisamos entender que a salvação no judaísmo não tem o mesmo sentido salvífico do cristianismo. No judaísmo não há promessas de um mundo porvir, nem paraíso, e nem inferno. De modo geral a idéia de salvação no antigo testamento é essencialmente materialista. Está sempre ligada à libertação de perigos, cura de enfermidades, e por fim, a vitória final sobre os inimigos e a possessão definitiva de Sião.
Uma similaridade entre o judaísmo e o cristianismo é no tocante a ressurreição. Contudo ela é baseada em premissas diferentes. A salvação final para o judaísmo não é exclusiva dos judeus. Mas se estende a todos os homens de bem, seja qual for o seu credo, que pautaram sua vida em padrões éticos e de justiça. Mesmo aqueles que não agiram tão bem, mas são capazes de arrependimento, merecem sobreviver por todos os tempos, quando o Messias chegar.

Por Donizete.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Afirmações diretas das escrituras


Entende-se por afirmações diretas das escrituras o método utilizado pelos teólogos para apoiar um ensino. Em síntese, é o uso de um texto bíblico para a elaboração e sustentação de uma doutrina. O problema é que, as afirmações diretas, às vezes na sua superfície parecem soar como absolutas, mas podem, contudo, ser qualificadas ou relativizadas por outras evidências da própria escritura.

Em muitos casos o material bíblico é bastante claro onde a pessoa pode afirmar sua doutrina com precisão. Em outros casos, porém, a evidência das escrituras é escassa e indistinta, e qualquer conclusão a que se chegue deve ser encarada apenas como uma das possíveis.
Não devemos sustentar um argumento apoiado por um versículo das escrituras tirado do seu contexto e absolutizado, sem referência ao ensino bíblico mais amplo sobre o assunto, ou seja: usar uma referência sem levar em conta o contexto literário e histórico no qual o texto está inserido.

As afirmações diretas das escrituras são usadas geralmente como “trunfo” numa discussão de caráter teológico. Porém é importante saber que, uma afirmação tem autoridade até o ponto em que esta afirmação seja interpretada de modo correto dentro do seu contexto. É um erro primário descontextualizá-la para torná-la universalmente válida.

Uma qualidade chave que todo cristão deve desenvolver é a habilidade de reconhecer uma distinção entre a verdade e o entendimento particular que alguém ou ele próprio tem da verdade. Não se trata de insegurança ou incapacidade de descobrir respostas, mas sim por princípios epistemológicos.

Recentemente li um texto que Rubem Alves escreveu no jornal Correio popular aqui de Campinas, mas que já havia escrito anteriormente na folha de São Paulo, em 30 de setembro de 2008 que ilustra muito bem esse ponto.

Geralmente evito colocar produções de outros autores. Mas o texto abaixo é tão interessante e responde tão claramente à idéia que muitos possuem, sobretudo alguns fundamentalistas que acreditam que tudo o que está escrito na Bíblia deve ser observado irrestritamente que resolvi publicar:                                                     

"Digo isso a propósito de carta dirigida a Laura Schlessinger, conhecida locutora de rádio nos Estados Unidos. Que tem um desses programas interativos que dá respostas e conselhos aos ouvintes que a chamam ao telefone. Recentemente, perguntada sobre homossexualidade, a locutora disse que se tratava de uma abominação, pois assim a Bíblia afirma no livro de Levítico 18:22 .

Um ouvinte escreveu-lhe então uma carta que vou transcrever: “Querida dra. Laura: Muito obrigado por se esforçar tanto para educar as pessoas segundo a Lei de Deus. Eu mesmo tenho aprendido muito em seu programa de rádio e desejo compartilhar meus conhecimentos com o maior número de pessoas possível.

Por exemplo, quando alguém se põe a defender o estilo homossexual de vida, eu me limito a lembrar-lhe que o livro de Levítico, no capítulo 18, versículo 22, estabelece claramente que a homossexualidade é uma aberração. E ponto final... Mas, de qualquer forma, necessito de alguns conselhos adicionais de sua parte a respeito de outras leis bíblicas concretamente sobre a forma de cumpri-las:

Gostaria de vender minha filha como serva, tal como indica o livro de Êxodo, 21:7. Nos tempos que vivemos, na sua opinião, qual seria o preço adequado?

O livro de Levítico 25:44 estabelece que posso possuir escravos, tanto homens como mulheres, desde que sejam adquiridos de países vizinhos. Um amigo meu afirma que isso só se aplica aos mexicanos, mas não aos canadenses. Será que senhora poderia esclarecer esse ponto? Por que não posso possuir canadenses?

Sei que não estou autorizado a ter qualquer contato com mulher alguma no seu período de impureza menstrual (Lev. 18:19, 20:18 etc). O problema que se me coloca é o seguinte: como posso saber se as mulheres estão menstruadas ou não? Tenho tentado perguntar-lhes, mas muitas mulheres são tímidas e outras se sentem ofendidas.

Tenho um vizinho que insiste em trabalhar no sábado. O livro Êxodo 35:2 claramente estabelece que quem trabalha no sábado deve receber a pena de morte. Isso quer dizer que eu, pessoalmente, sou obrigado a matá-lo? Será que a senhora poderia, de alguma maneira, aliviar-me dessa obrigação aborrecida?

No livro de Levítico 21:18-21 está estabelecido que uma pessoa não poderá se aproximar do altar de Deus se tiver algum defeito na vista. Preciso confessar que eu necessito de óculos para ver. Minha acuidade visual tem de ser 100% para que eu me aproxime do altar de Deus? Será que se pode abrandar um pouco essa exigência?

A maioria de meus amigos homens tem o cabelo bem cortado, muito embora isto esteja claramente proibido em Levítico 19:27. Como é que eles devem morrer?

Eu sei, graças ao Levítico 11:6-8, que quem tocar a pele de um porco morto fica impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele de porco. Será que será permitido continuar a jogar futebol americano se usar luvas?

Meu tio tem uma granja. Deixa de cumprir o que diz o Levítico 19:19, pois planta dois tipos de sementes no mesmo campo, e também deixa de cumprir a sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes, a saber, algodão e poliéster.

Além disso, ela passa o dia proferindo blasfêmias e maldizendo. Será que é preciso levar a cabo o complicado procedimento de reunir todas as pessoas da vila para apedrejá-los?

Não poderíamos adotar um procedimento mais simples, qual seja, o de queimá-los numa reunião privada, como se faz com um homem que dorme com sua sogra, ou uma mulher que dorme com seu sogro? (Levítico 20:14).

Sei que senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que a Palavra de Deus é eterna e imutável””.


Donizete.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Cristianismo antes do cristianismo.












Para quem já teve contato com as construções teológicas que fez Leonardo Boff, a partir do Cristo libertador, esta afirmação contida no tema, não soa de maneira antitética.


De acordo com o pensador católico, a estrutura crística pré-existia dentro da história da humanidade, e é anterior ao Jesus histórico de Nazaré. Disse ele:

“Todas as vezes que o homem se abre para Deus e para o outro, sempre que realiza verdadeiro amor e superação do egoísmo, quando o homem busca justiça, solidariedade, reconciliação e perdão, aí se dá verdadeiro cristianismo e emerge dentro da história humana a estrutura crística. Assim pois, o cristianismo pode existir antes do cristianismo; e mais, cristianismo pode se verificar também fora dos limites cristãos”.

Agostinho tinha uma cosmovisão semelhante quando afirmou:

“A substância daquilo que hoje chamamos de cristianismo, existia já nos antigos, e estava presente desde os primórdios da humanidade. Finalmente quando Cristo apareceu em carne, começou-se a chamar àquilo que sempre existia de religião cristã”.

Com essa concepção, podemos por inferência concluir que o cristianismo se realiza não somente onde ele é professado explicitamente e vivido ortodoxamente. Mas surge sempre e onde o homem diz sim ao bem, à verdade e ao amor.
Antes de Cristo o cristianismo era anônimo e latente. Não possuía ainda um nome, embora existisse e fosse vivido pelos homens. Com Jesus o cristianismo ganhou um nome. Jesus o viveu com tal profundidade e absolutidade que por antonomásia passou a chamar-se Cristo. Por que não se chamava de cristianismo, não significa que era inexistente. Existia, mas na forma abscôndita, anônima e latente. Com Jesus chegou a sua máxima patência, explicitação e revelação.
Daí podermos asseverar que o cristianismo é tão vasto como o mundo humano. Ele pode se realizar ontem, antes de Cristo, e pode se realizar ainda hoje fora dos limites “cristãos”, lá onde a palavra cristianismo não é empregada e conhecida. Mais ainda: cristianismo pode se encontrar lá, onde ele é, por uma consciência errônea, combatido e perseguido. Por isso cristianismo não é simplesmente uma cosmovisão mais perfeita. Nem uma religião mais sublime, muito menos uma ideologia.

Com toda razão dizia o primeiro filósofo cristão Justino: “Todos os que vivem conforme o Logos são cristãos. Assim entre os gregos Sócrates, Heráclito e outros; e entre os não gregos Abraão, Ananias, Azarias, Elias e muitos outros cuja citação dos nomes e obras nos levaria longe demais”

 Não é por acaso que Joseph Ratzinger em consonância com esse pensamento exprimia com felicidade: “Não é verdadeiro cristão o membro confessional do partido, mas aquele que se tornou realmente humano pela vivência cristã. Não aquele que observa de maneira servil um sistema de normas e leis, apenas com vistas para si mesmo, mas aquele que se tornou livre para a simples bondade humana”.

Seguindo ainda nesta mesma linha de pensamento, ser cristão, segundo Boff, é viver a vida humana naquela profundidade e radicalidade onde ela se abre e comunga o mistério de Deus.  Cristianismo é a vivência concreta e conseqüente na estrutura crística, daquilo que Jesus de Nazaré viveu com total abertura ao outro e ao grande outro, amor indiscriminado, fidelidade inabalável à voz da consciência e superação daquilo que amarra o homem ao seu próprio egoísmo. De modo que não é o que é cristão que é bom, verdadeiro e justo. Mas o bom, verdadeiro e justo é que é cristão...

Com a visão cristológica "diferente" que possuímos, confessamos um cristianismo moderno centrado apenas na ortodoxia, em detrimento, com raras exceções da ortopraxia. Vivemos um apego demasiado ao ritualismo e ao espiritualismo, e marginalizamos àquilo que é essência do evangelho: A empatia, o altruísmo, o compartilhamento, a sensibilidade às necessidades do outro. Ou seja, as coisas que fundamentalmente condizem com a proposta inicial do Jesus histórico. Como se o mundo em que vivemos hoje, a opressão, a pobreza e a desvalides já tivessem sido erradicadas à tempos. E com o agravante de desqualificarmos as intenções e ações de pessoas com propostas inclusivas e de libertação, simplesmente por não estarem ligadas ao nosso arcabouço de fé.

Não tenho a pretensão de fazer apologia à cristologia de Boff. Visto ter ela aceitação minoritária entre os cristãos. Não entro nesse mérito! Mas sim para levar-nos a refletir sobre duas verdades:

Primeira é em relação a nossa indiferença pela práxis cristã. As vezes ela é tão crônica, que quando um grupo ou uma pessoa que não tem a comunhão de idéias do cristianismo, apresenta propostas de auxílio ao outro, suas intenções e motivações são postas em cheque.

Segunda é que Jesus veio derrubar as barreiras sectárias que dividem os homens e que fazem ver irmãos somente naqueles que aderem ao seu credo. Quando na verdade todos aqueles que aderem à causa de Jesus estão irmanados com Ele e Ele está agindo neles para que haja um mundo melhor. 

Partindo desse pressuposto que Paulo Freire  dizia que Marx era um cristão inconsciente.

Abraços.



Bibliografia:
Jesus Cristo Libertador, Boff, Leonardo
  

   

sábado, 22 de outubro de 2011

Metamorfose... A morte das formas como meta para a vida!





Por J. Lima.


Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.  Raul Seixas

Houve um tempo em que eu era critico feroz das músicas do Raul Seixas, e ainda continuo, mas agora vejo no conteúdo revelações sobre uma “antropologia existencial”. Acho que no processo de viver, também me reconheço como uma “metamorfose ambulante”, visto que a vida do ser humano consiste em constantes “mortes de formas” no caminhar da existência.

 Se não fosse esse dinamismo de “morrer as formas”, extinguiria a raça, a beleza da humanidade está em que na “morte das formas”, preserva-se a vida. È nisso que persiste a existência humana, uma verdadeira “meta-morfose”, uma forma que está para além dele mesmo, está sempre em construção o que contraria praticamente o pensamento ocidental que tem sua gênese na filosofia “socrático-platonica-Aristotélica”.

O conteúdo da letra dessa música mostra que a cristalização do pensamento da chamada “verdade meta-física”, o “ideal” platônico, é arqui-“inimiga” da vida, pois essa, é uma “construção em movimento”, é a partir do trágico, que a vida ganha impulso, o desamparo do homem diante a imensidão do universo, empurra-o na busca de uma “segurança”.

Da insignificância nasce o desejo de “Transcendência” que imerge como uma necessidade de continuidade da existência! Esse desejo anseia por uma verdade “formada”, mas essa nas contingências da vida precisa perder a “forma”, é preciso então ter coragem para re-ver as opiniões que se tinha ontem, aceitar a contra-“adição”, o paradoxo da vida, afinal a lógica não vem da vida, mas da imposição da razão sobre o livre curso da natureza.

A razão não é natural, é uma imposição, uma forma de manter a existência dentro de limites, pois esses impedem do homem se diluir, mas essa razão que impões limites para preservação da vida, deve perceber que há tempo de “perder a razão”, a cristalização da razão congelada, elimina a riqueza do devir [1].

 Dai Heráclito dizer:

“O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de ontem é o mesmo do hoje".

Acho que Nietsche tinha razão: “Toda vida se alimenta de outra vida”. Para se manter viva, a vida alimenta-se de outra vida, e dela própria, pois viver implica em constantemente morrer, a morte é o alimento da vida. Interessante... 

“A ceia do cristão é alimentar-se do corpo de quem morreu”, pela morte do corpo, a vida torna-se alimento para os que vivem... 

[1] Devir é um conceito filosófico que qualifica a mudança constante, a perenidade de algo ou alguém.