domingo, 8 de julho de 2012

DIÁLOGO COM BASE NO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO




Por Donizete

Este texto abriga um diálogo entre eu (Doni), a Mari e o Edu, publicado originalmente na forma de comentários de um texto em meu blog.  O leitor detalhista poderá notar algumas frases desconexas, falhas na estruturação textual e até erros ortográficos. O que é normal por tratar-se de uma conversa casual e despretensiosa entre nós. A princípio pensei em fazer algumas adaptações, mas de comum acordo e com a intenção de preservar a originalidade do que pensamos naquele momento, preferimos não editar nada em nossas falas.

MARI. Gostaria de lhes fazer umas perguntas: sobre a interpretação bíblica, sempre soube que não se pode utilizar um versículo isoladamente para fundamentar uma doutrina. Mas qual deve ser o contexto? Um texto? Um capítulo ? Um testamento? Pois a Bíblia é um livro que é uma coletânea. Uns são proféticos, outros não. Uns canônicos, outros apesar de não canônicos também são utilizados como referência não é? Então qual é o contexto? A Bíblia como um todo? É sempre assim?

DONI. Um dos problemas que surgiram após a divisão da Bíblia em capítulos e versículos, foi exatamente ao acentuar a possibilidade de se desconectar fragmentos de um texto, e particularizar uma interpretação que não estava originalmente no pensamento do autor. Infelizmente isso acontece com frequência.
Por isso que uma das regras elementares da hermenêutica, é de que o contexto (macroexegese) deve ter a prioridade no entendimento das escrituras. Como não sou defensor da inerrância, não acredito que a Bíblia a si mesma interpreta, como advoga alguns. Existem elementos da história e da ciência, que precisam ser adicionados para uma melhor compreensão. O entendimento do contexto literário e histórico também é fundamental, pois muitos textos tiveram valor apenas temporal. Considerando também que todos os escritores bíblicos viveram num mundo pré-científico, e seu conhecimento do mundo era primitivo, segundo nossos padrões. Então não podemos adotar a cosmovisão deles e a partir dela buscar o modelo para a nossa realidade. Outra regrinha básica da hermenêutica, é de que, se dois textos parecem contradizer um ao outro, o mais claro deve lançar luz sobre o ambíguo.

EDU, Eu não seguiria essa regrinha não...
Eu diria que quando dois textos bíblicos se contradizem (e existem centenas deles nessa situação) o problema é a diferente visão de cada autor sobre a questão tratada.

MARI. Sabe que fiquei pensando em uma coisa. Se a Bíblia é um livro inspirado e seu objetivo é unidade, já que segundo dizem, ela é a única fonte que devemos adotar quando o assunto é Deus, não é uma contradição que haja tanta contradição? Pois até mesmo aquela questão sobre a imagem que podemos formar de Deus, a Bíblia apresenta duas versões: no velho testamento Deus iracundo, no novo Deus pai bondoso. De um lado, um Deus que tudo faz por amor, Do outro um Deus que é segundo dizem alguns "fogo consumidor". Então, essa história de texto mais claro não é subjetivo também? 

DONI. O Antigo Testamento foi escrito numa conjuntura em que a religião era estatal. Javé era Deus dos exércitos, guerreiro e vingativo. A figura do diabo ainda não existia. Não era considerada naquele contexto. O fator causalidade era considerado de forma acentuada no pensamento hebreu. E boa parte desse pensamento continuou vigente na igreja nascente. Lembra de Ananias e safira, e o castigo imediato sofrido por Herodes? Ambos os casos relatados no livro de atos. A questão é que os escritores atribuíam a Deus a responsabilidade inclusive por estes atos. Mas na verdade Mari, Deus sempre foi o mesmo! A conjuntura é que determinava quais seriam seus atributos mais atuantes, a partir da interpretação de cada escritor.
Lembra que na idade média, a própria igreja colocou uma armadura em Jesus e o convidou para as cruzadas? É uma questão de cosmovisão!

 EDU.  Destaco sua pergunta: "não é uma contradição que haja tanta contradição?"
Eu te respondo, não! Seria esquisito sim, se uma coletânea de textos religiosos escritos num período de 1600 anos se harmonizassem perfeitamente uns com outros. Aí sim, teria algo de muito errado.
 As contradições da Bíblia são o reflexo do pensamento e da fé do Israel antigo; os escritores bíblicos não eram anjos e sim homens, com todas as suas contradições, ambiguidades e visões particulares do mundo e de Deus. Num cenário assim, o contraditório é esperado e até desejável. Logo, esqueça daquelas teorias ortodoxas da "inerrância bíblica" e da "inspiração plena ou verbal"

 MARI. Eu já esqueci!!! rs... E meu questionamento foi feito porém sob essa ótica de quem acredita nisso piamente. Como acreditar na inerrância diante desses dados? Isso que você falou é o que eu acredito também, já falei isso em outros comentários. O que quis saber é como que a teologia afirma que a bíblia foi inspirada por Deus, e nesse caso é a verdade absoluta, como ela explica essa contradição e consegue afirmar tudo isso? A partir de quando essa idéia acompanha a igreja? Foi logo que a bíblia foi compilada? Foi por causa de algum dado histórico ou naturalmente se aceitou que o texto bíblico é a verdade sobre Deus? Enfim, em qual momento a bíblia foi santificada como a quarta pessoa da trindade?

EDU. Sou um questionador dessa confissão. Na verdade, Deus nunca falou uma única palavra do que está escrito na bíblia, cada escritor, profeta, rei, soldado, pescador, farizeu, etc, lhe pôs as palavras em sua boca conforme recebia do próprio inconsciente. Os fundamentalistas, autores da doutrina da inerrância, costumam fazer verdadeiros exercícios para conciliar as contradições (ou cosmovisões) diferentes da bíblia, já que eles não aceitam que haja tais cosmovisões. Até hoje os conservadores evangélicos gostam de citar textos do AT para justificar algum padrão moral, se esquecendo de levar em conta todo o contexto em que tais livros foram escritos. E digo mais, muita coisa no NT também segue o mesmo caminho, ou seja, textos que nada têm a nos dizer se forem lidos literalmente. Relativizar ensinos bíblicos é necessário para não se cair em anacronismos. Mas os ortodoxos se arrepiam quando ouvem dizer que a bíblia deve ser relativizada e continuam tomando para si (e querendo impor aos outros) ensinos que já não tem nenhum valor prático para o homem pós-moderno.(e até mesmo para a prática de fé do homem pós-moderno)
Por outro lado, quando descobrimos que a bíblia possui uma camada de leitura mais profunda do que o literal que está na superfície (como fazem e fizeram muitos rabinos e cabalistas), então descobriremos de fato, tesouros escondidos no texto bíblico.

DONI. Com a reforma protestante, um lema ganhou destaque: “sola escriptura”, mas o conceito de inerrância como conhecemos hoje, só ganhou força mesmo no início do século XX, com o advento do movimento fundamentalista, que tentava com isso conter o avanço do pensamento liberal. Mas este pensamento retrocede no mínimo ao momento histórico em que foi fechado o Cânon do novo testamento! Entretanto, ainda que muitos não aceitem, existem controvérsias sobre o resultado dessa deliberação. Alguns estudiosos supõe que pode ter havido falha, tanto na seleção como no critério para concluir a canonicidade de um escrito. Tanto é verdade que Martinho Lutero depreciava as carta de Tiago, Hebreus, e até o Apocalipse. Ele colocava em cheque a canonicidade destas epístolas. 
Pode ser que algum livro de autoridade tenha ficado de fora da lista? Só os fundamentalistas admitem que não.

EDU. Existem narrativas bizarras sobre a forma de se chegar ao cânon do NT. Uma dela nos diz que os evangelhos escolhidos foram quatro, por que dentre outras coisas, quatro eram os pontos cardeais...(citado por Voltarie) imagina se dá para levar essa construção canônica como algo inspirado pelo espírito santo?

MARI. Edu, não seja MALÉFICO! rs.. Eu pensei que houvesse motivos mais profundos para escolha dos livros.
Outra coisa, se Deus escolheu os simples, por que deixaria um livro com tanta complexidade? Veja que para fazer uma interpretação, é preciso fazer certas análises e conhecer o contexto histórico e etc...

DONI. A premissa de que devo ser capaz de abrir a bíblia e compreendê-la porque ela é a palavra de Deus é falha. Essa ideia foi concebida pelos pietistas, que criam na clareza das escrituras. Para eles as escrituras era simples o bastante para que uma criança a compreenda. Veja que os pietistas criaram suas próprias doutrinas, se isolaram por serem diferentes, resultado: O movimento não resistiu por muito tempo.
O problema começa Mari, com a simples constatação de que a Bíblia não foi escrita na nossa língua. Nesse primeiro estágio já nos tornamos dependentes da credibilidade dos tradutores. Aí que se encaixa a tarefa do teólogo, que diga se passagem é complexa demais! Porque à Bíblia não é uma teologia sistemática, e nem nos apresenta exposições doutrinárias organizadas. Cabe aos teólogos esse trabalho.

EDU. Estes devem andar de  mãos dadas na desconstrução da dogmática. 

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