Por Donizete
Este texto abriga um diálogo entre eu (Doni), a Mari e o Edu, publicado
originalmente na forma de comentários de um texto em meu blog. O leitor detalhista poderá notar algumas
frases desconexas, falhas na estruturação textual e até erros ortográficos. O
que é normal por tratar-se de uma conversa casual e despretensiosa entre nós. A
princípio pensei em fazer algumas adaptações, mas de comum acordo e com a
intenção de preservar a originalidade do que pensamos naquele momento,
preferimos não editar nada em nossas falas.
MARI. Gostaria de lhes fazer umas perguntas: sobre
a interpretação bíblica, sempre soube que não se pode utilizar um
versículo isoladamente para fundamentar uma doutrina. Mas qual deve ser o contexto?
Um texto? Um capítulo ? Um testamento? Pois a Bíblia é um livro que é uma
coletânea. Uns são proféticos, outros não. Uns canônicos, outros apesar de não
canônicos também são utilizados como referência não é? Então qual é o contexto?
A Bíblia como um todo? É sempre assim?
DONI. Um dos problemas que surgiram após a
divisão da Bíblia em capítulos e versículos, foi exatamente ao acentuar a
possibilidade de se desconectar fragmentos de um texto, e particularizar uma
interpretação que não estava originalmente no pensamento do autor. Infelizmente
isso acontece com frequência.
Por isso que uma das regras elementares da
hermenêutica, é de que o contexto (macroexegese) deve ter a prioridade no
entendimento das escrituras. Como não sou defensor da inerrância, não acredito
que a Bíblia a si mesma interpreta, como advoga alguns. Existem elementos da
história e da ciência, que precisam ser adicionados para uma melhor
compreensão. O entendimento do contexto literário e histórico também é fundamental, pois
muitos textos tiveram valor apenas temporal. Considerando também que todos os
escritores bíblicos viveram num mundo pré-científico, e seu conhecimento do
mundo era primitivo, segundo nossos padrões. Então não podemos adotar a
cosmovisão deles e a partir dela buscar o modelo para a nossa realidade. Outra regrinha básica da hermenêutica, é de que, se dois textos parecem
contradizer um ao outro, o mais claro deve lançar luz sobre o ambíguo.
EDU, Eu não seguiria essa regrinha não...
Eu diria que quando dois textos bíblicos se contradizem (e existem centenas deles nessa situação) o problema é a diferente visão de cada autor sobre a questão tratada.
Eu diria que quando dois textos bíblicos se contradizem (e existem centenas deles nessa situação) o problema é a diferente visão de cada autor sobre a questão tratada.
MARI. Sabe que fiquei pensando em uma coisa. Se a
Bíblia é um livro inspirado e seu objetivo é unidade, já que segundo dizem, ela
é a única fonte que devemos adotar quando o assunto é Deus, não é uma
contradição que haja tanta contradição? Pois até mesmo aquela questão sobre a
imagem que podemos formar de Deus, a Bíblia apresenta duas versões: no velho
testamento Deus iracundo, no novo Deus pai bondoso. De um lado, um Deus que
tudo faz por amor, Do outro um Deus que é segundo dizem alguns "fogo
consumidor". Então, essa história de texto mais claro não é subjetivo
também?
DONI. O Antigo Testamento foi escrito numa
conjuntura em que a religião era estatal. Javé era Deus dos exércitos,
guerreiro e vingativo. A figura do diabo ainda não existia. Não era considerada
naquele contexto. O fator causalidade era considerado de forma acentuada no
pensamento hebreu. E boa parte desse pensamento continuou vigente na igreja nascente. Lembra de
Ananias e safira, e o castigo imediato sofrido por Herodes? Ambos os casos
relatados no livro de atos. A questão é que os escritores atribuíam a Deus a responsabilidade inclusive por
estes atos. Mas na verdade Mari, Deus sempre foi o mesmo! A conjuntura é que
determinava quais seriam seus atributos mais atuantes, a partir da
interpretação de cada escritor.
Lembra que na idade média, a própria igreja colocou uma armadura em Jesus e o convidou para as cruzadas? É uma questão de cosmovisão!
Lembra que na idade média, a própria igreja colocou uma armadura em Jesus e o convidou para as cruzadas? É uma questão de cosmovisão!
EDU.
Destaco sua pergunta: "não é uma contradição que haja tanta
contradição?"
Eu te respondo, não! Seria esquisito sim, se uma coletânea de textos religiosos escritos num período de 1600 anos se harmonizassem perfeitamente uns com outros. Aí sim, teria algo de muito errado.
Eu te respondo, não! Seria esquisito sim, se uma coletânea de textos religiosos escritos num período de 1600 anos se harmonizassem perfeitamente uns com outros. Aí sim, teria algo de muito errado.
As contradições da Bíblia são o reflexo do
pensamento e da fé do Israel antigo; os escritores bíblicos não eram anjos e
sim homens, com todas as suas contradições, ambiguidades e visões particulares
do mundo e de Deus. Num cenário assim, o contraditório é esperado e até desejável. Logo, esqueça
daquelas teorias ortodoxas da "inerrância bíblica" e da
"inspiração plena ou verbal"
MARI. Eu já esqueci!!! rs... E meu
questionamento foi feito porém sob essa ótica de quem acredita nisso piamente.
Como acreditar na inerrância diante desses dados? Isso que você falou é o que
eu acredito também, já falei isso em outros comentários. O que quis saber é
como que a teologia afirma que a bíblia foi inspirada por Deus, e nesse caso é
a verdade absoluta, como ela explica essa contradição e consegue afirmar tudo
isso? A partir de quando essa idéia acompanha a igreja? Foi logo que a bíblia
foi compilada? Foi por causa de algum dado histórico ou naturalmente se aceitou
que o texto bíblico é a verdade sobre Deus? Enfim, em qual momento a bíblia foi
santificada como a quarta pessoa da trindade?
EDU. Sou um questionador dessa confissão. Na
verdade, Deus nunca falou uma única palavra do que está escrito na bíblia, cada
escritor, profeta, rei, soldado, pescador, farizeu, etc, lhe pôs as palavras em
sua boca conforme recebia do próprio inconsciente. Os fundamentalistas, autores da doutrina da
inerrância, costumam fazer verdadeiros exercícios para conciliar as
contradições (ou cosmovisões) diferentes da bíblia, já que eles não aceitam que
haja tais cosmovisões. Até hoje os conservadores evangélicos gostam de citar textos do AT para
justificar algum padrão moral, se esquecendo de levar em conta todo o contexto
em que tais livros foram escritos. E digo mais, muita coisa no NT também segue o mesmo caminho, ou seja, textos
que nada têm a nos dizer se forem lidos literalmente. Relativizar ensinos bíblicos é necessário para não se cair em anacronismos. Mas
os ortodoxos se arrepiam quando ouvem dizer que a bíblia deve ser relativizada
e continuam tomando para si (e querendo impor aos outros) ensinos que já não
tem nenhum valor prático para o homem pós-moderno.(e até mesmo para a prática
de fé do homem pós-moderno)
Por outro lado, quando descobrimos que a bíblia possui uma camada de leitura
mais profunda do que o literal que está na superfície (como fazem e fizeram
muitos rabinos e cabalistas), então descobriremos de fato, tesouros escondidos
no texto bíblico.
DONI. Com a reforma protestante, um lema ganhou
destaque: “sola escriptura”, mas o conceito de inerrância como conhecemos hoje,
só ganhou força mesmo no início do século XX, com o advento do movimento
fundamentalista, que tentava com isso conter o avanço do pensamento
liberal. Mas este pensamento retrocede no mínimo ao momento
histórico em que foi fechado o Cânon do novo testamento! Entretanto, ainda que
muitos não aceitem, existem controvérsias sobre o resultado dessa deliberação.
Alguns estudiosos supõe que pode ter havido falha, tanto na seleção como no
critério para concluir a canonicidade de um escrito. Tanto é verdade que
Martinho Lutero depreciava as carta de Tiago, Hebreus, e até o Apocalipse. Ele
colocava em cheque a canonicidade destas epístolas.
Pode ser que algum livro de autoridade tenha ficado de fora da lista? Só os
fundamentalistas admitem que não.
EDU. Existem narrativas bizarras sobre a forma de
se chegar ao cânon do NT. Uma dela nos diz que os evangelhos escolhidos foram
quatro, por que dentre outras coisas, quatro eram os pontos cardeais...(citado
por Voltarie) imagina se dá para levar essa construção canônica como algo
inspirado pelo espírito santo?
MARI. Edu, não seja MALÉFICO! rs.. Eu pensei que
houvesse motivos mais profundos para escolha dos livros.
Outra coisa,
se Deus escolheu os simples, por que deixaria um livro com tanta complexidade?
Veja que para fazer uma interpretação, é preciso fazer certas análises e
conhecer o contexto histórico e etc...
DONI. A premissa de que devo ser capaz de
abrir a bíblia e compreendê-la porque ela é a palavra de Deus é falha. Essa
ideia foi concebida pelos pietistas, que criam na clareza das escrituras. Para
eles as escrituras era simples o bastante para que uma criança a compreenda.
Veja que os pietistas criaram suas próprias doutrinas, se isolaram por serem
diferentes, resultado: O movimento não resistiu por muito tempo.
O problema começa Mari, com a simples constatação de que a Bíblia não foi escrita na nossa língua. Nesse primeiro estágio já nos tornamos dependentes da credibilidade dos tradutores. Aí que se encaixa a tarefa do teólogo, que diga se passagem é complexa demais! Porque à Bíblia não é uma teologia sistemática, e nem nos apresenta exposições doutrinárias organizadas. Cabe aos teólogos esse trabalho.
O problema começa Mari, com a simples constatação de que a Bíblia não foi escrita na nossa língua. Nesse primeiro estágio já nos tornamos dependentes da credibilidade dos tradutores. Aí que se encaixa a tarefa do teólogo, que diga se passagem é complexa demais! Porque à Bíblia não é uma teologia sistemática, e nem nos apresenta exposições doutrinárias organizadas. Cabe aos teólogos esse trabalho.
EDU. Estes devem andar de mãos dadas na desconstrução da dogmática.
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