terça-feira, 30 de agosto de 2011

Ostentação, socialite gospel


Deus abençoa financeiramente os fiéis, sou o mais próspero dentre todos na comunidade. Logo, minha prosperidade material é prova inconteste da minha fidelidade. É com esta lógica perversa que muitos líderes eclesiásticos ostentam suas riquezas sem ter a mínima discrição e consideração pelos seus subordinados que em muitos casos são os responsáveis diretos pelo seu sucesso ministerial e financeiro. E estes por sua vez não ousam questionar, pois segundo sua cosmovisão, estas aquisições são um sinal indiscutível da aprovação divina no seu ministério. Estão vivendo o que pregam, dizem! E até os estabelecem como o exemplo a serem seguidos, sem levar em conta que a possibilidade de enriquecer somente por servir a Deus é igual  à de um líder de uma grande organização religiosa ser pobre e carente de recursos. Isto é, nenhuma!  Há alguns anos Ronaldo o fenômeno desfilou palas ruas do Rio de janeiro com uma Ferrari avaliada em mais de um milhão de reais. Porém o que deixou boa parte da mídia perplexa, e por isso a repercussão teve conotação negativa, foi o fato de o jogador ter dito que no Brasil é mais divertido ter uma Ferrari, pois foge do comum. No Brasil o status é diferente do que na Europa onde ser rico faz parte do trivial. Na época esta afirmação foi considerada uma afronta à grande maioria dos brasileiros que não tem direito a nem sequer o mínimo de dignidade no que tange aos seus meios de locomoção.
E não é por acaso que os magnatas do meio evangélico, não satisfeitos com o anonimato em meio a tantas celebridades, e com o pretexto de possuir um status de líder moderno e revolucionário, com a clara pretensão de mostrar um estereotipo modernista, têm trabalhado para que, nos mesmos moldes da revista CARAS, encontre um meio de estampar suas proezas no que se refere ao poder aquisitivo e o estilo de vida glamouroso que possuem. Isto é, para eles o padrão de humildade e desprendimento nos quais os obreiros do passado pautavam seus ministérios são ultrapassados e falidos. Transmite a idéia de fracasso. Por isso pousam com toda pose no afã de ostentar suas riquezas e seu poder. A mensagem central que estes sanguessugas do dinheiro alheio tentam passar a sociedade, é de que não adianta apenas pregar o evangelho. É preciso um púlpito acarpetado com tapete vermelho que comunica a idéia de requinte e glamour. Uma cadeira centrada com dimensões e estofamento diferente para não ser confundido com qualquer um. Precisa ter o melhor carro, aliás, como prova da sua excentricidade ser um colecionador, de preferência de marcas importadas. É preciso apresentar-se também como tendo inúmeras alianças políticas, para deixar claro aos seus subalternos que sua autoridade transcende os limites eclesiásticos, e que, para ser um líder respeitado, no melhor modelo maquiavélico, algumas virtudes como humildade, mansidão e amor precisam ser ignorados. E numa clara demonstração de terrorismo psicológico apontar que uma decisão pastoral tem valor convencionalmente celestial, e que qualquer divergência de idéias será tratada como rebelião e quando identificada terá como conseqüência a ruptura do indivíduo com o ministério. E estes, dotados daquele temor que levou Davi a não cometer nenhum ato contra Saul, pois este último seria o representante legítimo de Deus, consideram um ultraje um simples ponderar acerca das resoluções tomadas unilateralmente pelo seu líder maior. Há! é preciso também ter um jatinho particular para melhor ostentar a posição de ungido do Senhor. Agora, cada um faz o que quer da sua imagem. Acredito até que há profissionais assessorando suas carreiras. E também não cabe a mim julgar precipitadamente o crescimento “palociano” de seus bens. A indignação ocorre pelo fato de, enquanto o líder máximo revela de forma tão  provocativa (estilo Ronaldo) seu poder aquisitivo, a maioria absoluta daqueles que estão sujeitos a suas ordens  come o ”pão de Ezequiel” para, por amor fazer a obra de Deus.

Até a próxima. Donizete.  

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A verdade sobre a mentira




Todos os seres humanos mentem, uns mais outros menos, mas todos mentimos. É próprio da natureza humana mentir, desde quando éramos pequeninos mentimos. Claro que há vários tipos de mentira, várias formas de mentir e não se pode negar que as mentiras tem intensidades e conseqüências diferentes. Mentimos para não causar um desconforto, mentimos para sermos politicamente corretos, mentimos para não ferir a auto estima de alguém, mentimos quando tememos que a verdade traga conseqüências negativas para nós mesmos ou para alguém, mentimos quando a verdade não serve aos nossos propósitos.  Em todas as culturas se mente, todas as pessoas desde as mais novas às mais velhas. Mentimos por necessidade, por piedade, por amor, por maldade às vezes. Mentimos  quando pretendemos passar uma imagem diferente de nós mesmos. Ou também quando razões externas nos pressionam a mentir. O fato é que nossa existência seria impossível sem este recurso que é a mentira. Mentir é uma habilidade que brota das profundezas de nosso ser, e nós a usamos sem cerimônia. Como escreveu o americano Mark Twain há mais de um século: "Todos mentem... todo dia, toda hora, acordado, dormindo, em sonhos, nos momentos de alegria, nos momentos de tristeza. Ainda que a boca permaneça calada, as mãos, os pés, os olhos, a atitude transmitem falsidade". Enganar é fundamental para a condição humana.
Por este motivo é que há alguns anos ocupam-se com o mistério da mentira não apenas filósofos, mas também sociólogos e psicólogos. E o resultado das pesquisas são impressionantes. Segundo alguns estudos, normalmente uma pessoa saudável conta uma mentira a cada dez minutos de conversação. E conclui que uma mentira vem aos nossos lábios cerca da 200 vezes por dia. Parece um exagero, mas não encontrei nenhuma outra fonte que apresentasse um resultado menos perturbador. Perturbador porque isto me leva a uma conclusão lógica: somos seres humanos, todo ser humano mente. Logo, somos todos mentirosos. E isto contraria meus conceitos acerca da mentira. A revista Galileu da editora globo realizou uma entrevista com o jornalista alemão Jürgen Schmieder, que desenvolveu um projeto de ficar 40 dias sem proferir nenhuma mentira. O resultado foram hematomas, noites dormidas no sofá, muitos insultos e uma amizade quase perdida. O relato sobre esse período livre de mentiras, e cheio de confusões, está no livro sincero - a história real e bem humorada de um homem que tentou viver sem mentir. Segundo seu relato não precisamos mentir mais do que 50 vezes por dia. Consolador!
Sabemos desde criança que mentir é um ato vergonhoso, que em toda a história da humanidade algumas mentiras, sobretudo aquelas em forma de calúnias, causaram muitas intrigas, levaram pessoas ao sofrimento, e fizeram derramar muitas lágrimas e sangue. Entretanto a história também está repleta de casos onde uma mentira livrou pessoas de morte iminente. Algumas inclusive bíblicas, como na caso de Raabe e das parteiras do Egito.Por isso estudiosos se dividem em suas opiniões acerca desse assunto.  
Os Filósofos Immanuel Kant, Benjamim Constant e Arthur Schopenhauer por exemplo, defendem, cada um, uma opinião diferente sobre este assunto: Na verdade a discussão se desenvolve a partir de um suposto direito de mentir diante de determinadas situações.. As argumentações de cada um deles são baseadas na concepção que cada um deles têm da natureza dos direitos e deveres, isto é, a questão que se discute é se o indivíduo tem ou não o direito de mentir.
Aos três pensadores é sugerido o seguinte: Um assassino bate à sua porta com a intenção de matar seu amigo que está escondido em sua casa. Você deve dizer a verdade quando o assassino perguntar sobre o paradeiro do seu amigo, ou deve mentir e dizer que o amigo não se encontra no local?
 Para Constant, junto ao conceito de dever está o conceito de direito e  onde não há direitos, também não pode haver deveres, isto é, se o assassino tem a intenção de infringir a lei e matar seu amigo, tirando-lhe a vida, você não tem o dever de dizer a verdade porque o assassino não tem o direito a ela.
“Onde nenhum direito existe também não há deveres. Por conseguinte, dizer a verdade é um dever, mas apenas em relação àquele que tem direito à verdade. Nenhum homem, porém, tem o direito a uma verdade que prejudica o outro. Para Kant, um indivíduo não deve mentir em hipótese alguma, nem mesmo em circunstancias extremas como no caso em questão. Kant afirma que não podemos evitar dizer a verdade em relação a qualquer pessoa, mesmo que esta verdade provoque desvantagem para nós ou para outro. E se proferimos alguma inverdade, mesmo com a intenção de poupar a vida do outro, cometemos, desta forma, injustiça para com o indivíduo que nos pressiona a proferir uma declaração.
 Porém para Schopenhauer há certas situações, nas quais, podemos fazer uso da mentira sem injustiça. Estes são os casos nos quais usaríamos a força para nos defendermos de uma agressão, isto é, podemos fazer uso da astúcia quando precisarmos da força para nos defender, mas não pudermos contar com ela, ou seja, quando não formos fisicamente fortes o suficiente para nos defendermos da agressão física.
O Filósofo deixa claro que no exemplo citado, não seria injusto mentir sobre o paradeiro do amigo procurado pelo assassino, pois aquele que promete algo sob coação, através da força, ou acreditando em falsas premissas, não é obrigado a cumprir a promessa; e, no caso exemplificado, o dono da casa está sendo coagido pelo assassino.
Schopenhauer afirma que temos o direito de mentir para nos livrarmos de assaltantes e violentos de qualquer espécie, para defendermos nossa própria vida, nossa liberdade, nossos bens ou nossa honra.
A argumentação Schopenhaueriana, a favor do uso da mentira em determinados casos, vai mais além. Schopenhauer diz que podemos mentir em qualquer situação, na qual, uma pergunta seja intromissiva , indevida, indiscreta, ou se refira a algo que não nos convém dizer. Por exemplo: alguém nos faz uma pergunta indiscreta. A nossa recusa em responder pode vir a causar suspeita. Então nos devemos mentir para preservar nossa intimidade contra a curiosidade alheia. O Filósofo afirma que existem casos em que é nosso dever mentir; os exemplos de Schopenhauer são os casos da medicina, isto é, do médico para com o paciente e outras inverdades que podem ser consideradas nobres. Olha o exemplo colocado por ele. Schopenhauer cita do Novo Testamento em João 7:8, no qual Jesus disse aos seus discípulos que subissem sós até a festa dos Judeus que queriam matá-lo, porque ele não iria. E depois que os discípulos todos estavam lá, Jesus subiu sozinho e passou desapercebido em meio ao povo até chegar em um lugar privilegiado para, então, de lá, falar sobre suas boas intenções e convencer os Judeus a não o matarem.
Com todos estes dados e opiniões não quero parecer leviano ou irresponsável ao ponto de parecer fazer apologia a prática da mentira, mas sim a fazermos uma introspecção e nos livrarmos desse falso moralismo de afirmar que em nós habita somente a verdade e nenhuma mentira. E termos consciência de que  aquela mentira que falamos a uma criança é tão mentira como qualquer outra.
Um abraço. Donizete.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Bíblia A Mensagem



         

Salmo número um:

Como Deus deve gostar de você:
você não aparece no Bar do Pecado,
 você não anda à espreita no Beco Sem Saída,
você não frequenta a Escola dos Desbocados!
Pelo contrário, você vibra com a Palavra do Eterno,
você rumina as Escrituras dia e noite.
Você é como uma árvore replantada no Éden,
dando frutos novos a cada mês,
Que nunca perde suas folhas
e que está sempre florescendo.
Você não é, de jeito nenhum, como os perversos,
que não passam de poeira ao vento —
Sem defesa nos tribunais,
são companhia imprópria para as pessoas inocentes.
O Eterno traça o caminho que você escolhe.
Mas o caminho que eles escolhem é uma pista escorregadia.

Você que já está familiarizado com todas as versões conhecidas da Bíblia, e possui na sua biblioteca exemplares da NVI, NTLH, ARC, ARA, ARF e muitas outras, como recomenda o estatuto do estudante de teologia, deve ter estranhado a leitura deste Salmo. Ou pensa Tratar-se de uma paráfrase ou uma reprodução do estilo poético em que foram escritos os Salmos. 


É na verdade uma nova tradução da Bíblia lançada pela Editora Vida no dia 16 de maio, num jantar realizado no Espaço de Eventos Hakka, em São Paulo. A Bíblia The Message, tradução de Eugene Peterson, que no Brasil terá o nome oficial de A Mensagem: Bíblia em Linguagem Contemporânea ou simplesmente A Mensagem


Eugene Peterson é um erudito, escritor, poeta e pastor de uma igreja em Baltimore, nos EUA, que ao longo de dez anos se dedicou exclusivamente a esta obra. Ele trabalhou a partir dos textos originais em hebraico e grego, para garantir sua autenticidade. O trabalho de Eugene Peterson foi completamente revisado por uma equipe de renomados acadêmicos do Antigo Testamento e do Novo Testamento, que garantem sua precisão e fidelidade às línguas originais. Foi traduzida para o português sob a supervisão exegética e teológica do respeitado biblista Luiz Sayão, que traz no seu currículo importantes contribuições no que diz respeito às novas versões da Bíblia na língua portuguesa. 


A Mensagem é mais uma Bíblia de leitura, ou seja, daquelas que a gente normalmente não leva para a igreja, mas que proporciona um exercício muito interessante quando comparada com outras versões. Ela tem um layout bem diferente. Não apresenta o texto dividido em duas colunas, como nas outras Bíblias. Por isso neste aspecto dá ao leitor a impressão de estar lendo um livro, por isso fica mais convidativo à sua leitura. Sem falar que a priori tira de nós aquela impressão que vivemos num mundo de duas linguagens diferentes, o mundo da Bíblia e o mundo moderno, se aproximando bastante do nosso vernáculo. 


Quanto ao conteúdo, embora Peterson tenha traduzido a obra dos textos originais, ele tomou certas liberdades na linguagem e na interpretação, o que faz de A Mensagem um meio-termo entre a tradução e a paráfrase. Agora, como muitos não estão abertos a novidades, com certeza as críticas virão, como aconteceram quando ao lançamento da NTLH e da NVI. Entretanto como à muito tempo fui despertado do meu sono fundamentalista, sem perder tempo já adquiri o meu exemplar de A Mensagem.   

Um abraço. Donizete                                                                                                                                                                                                                                                          

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

"Fallor, ergo sun", "Erro, logo existo". Reflexão sobre o erro


Cerca de doze séculos antes de Descartes proferir a famosa frase “Cogito, ergo sum” “penso, logo existo”, Agostinho na sua obra: A cidade de Deus, escreveu “Fallor ergo sum”, “Erro, logo existo”. Assim como Descartes, Agostinho tentou através de engenhosa argumentação buscar provas empíricas da sua própria existência. Para isso ele formulou sua tese que é basicamente igual à reflexão cartesiana: "Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é não pode ser enganado". Com isso atingia a certeza da própria existência. O erro, diz ele, provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito.
O fato é que na observação do pensador cristão o erro é a revelação da própria essência do ser humano. O homem é sobretudo um ser errante e seus erros uma prova incontestável de sua existência. Sua afirmação consistia que somente uma pessoa que não existe não pode errar. Por isso, se alguém erra, não pode fazê-lo sem antes existir. Assim, os erros servem com evidencia da existência. Eu digo com certeza que, entre errar e não existir, prefiro continuar errando e existindo ou existindo e errando. E acredito que, como o erro é uma prova inconteste de nossa existência e humanidade, e que a ausência de erros é uma prerrogativa da divindade somente, e como jamais seremos divinos, posso estar errado! Mas creio que os erros nos seguirão inclusive no porvir.
O que proponho neste artigo é fazer uma valoração dos erros. Porque um é o erro do empreendedor que não faz seus cálculos corretos e acaba tendo prejuízos no aspecto financeiro, e outros são os erros da engenharia que pode culminar com o desabamento de um edifício e causar a morte de seres humanos. Diferentes dos erros que afetam a nós somente são os erros que prejudicam inclusive a terceiros. Tem desdobramentos diferentes. Não podemos comparar um erro de gramática como na ilustração acima com um erro médico que pode por em risco uma vida. Alguns erros passam incólumes enquanto outros traz conseqüências terríveis. À disciplinas que são o terreno dos erros enquanto outras não se permite o erro por menor que seja. A filosofia e a teologia por exemplo; são irmãs gêmeas na busca pelo entendimento no campo da metafísica, uma depende da outra para suas conclusões. Contudo os erros trazem diferenças importantes em seus resultados.
Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli, a filosofia é o lugar do erro. (...) Quando fazemos uma leitura de algumas das ciências, é bom que não façamos uma leitura errada. Quando fazemos uma leitura de algum filósofo, é bom que não acertemos sempre. Assim, o professor de qualquer ciência nos premia pelo nosso acerto. Mas uma coisa sem graça é receber um prêmio se viermos a acertar em filosofia. É claro que boa parte dos erros em filosofia nada é senão erro mesmo – tolices até. Mas, se alguém quiser ser filósofo e não exclusivamente um erudito em filosofia, deve ser capaz de bons erros. A filosofia é o terreno do erro. Um bom professor de filosofia deveria premiar seus alunos com boas notas pelo erro, não pelo acerto. O bom erro em filosofia é, não raro, melhor que o acerto mais agudo em ciências.
Segundo ele, todos os grandes filósofos só foram filósofos porque erraram. (...) Ao lerem seus antepassados, os modificaram à medida que os reapresentaram de modo errado. De certa forma, foram injustos com os filósofos anteriores. Erraram e, assim, os transformaram. Por exemplo, é difícil ler Heidegger e concordar com a leitura que ele faz de Descartes ou de Nietzsche. Você não verá Nietzsche fazendo elogios a Kant ou a schopenhauer. Quando se é um leitor rigoroso em história da filosofia, ao se deparar com a leitura que Heidegger faz dos filósofos, não há como não dizer: “está errado!”.  Heidegger errou. Por isso, fez filosofia. Caso acertasse e, então, reproduzisse Descartes ou Nietzsche como eles se apresentam em um bom manual de história da filosofia. Nietzsche errou em criticar os erros de schopenhauer, que por sua vez errou em apontar erros dos outros pensadores. Na filosofia cabe o erro, então, de dupla maneira. Primeiro, cabe o erro que é levado adiante pelo candidato a bom filósofo. Os grandes filósofos são os autores desse tipo de erro. Segundo, cabe o erro que levado adiante pelo estudante, que erra exatamente onde pode errar, na filosofia
O teólogo por sua vez não tem o privilégio de poder errar, antes com o erro, é logo considerado herege e colocado a margem da própria teologia. Pode dizer então que na teologia não há espaço para o erro. O teólogo precisa levar muito a sério seu trabalho, não que o filósofo não tenha, mas é que o teólogo está envolvido num assunto no qual o destino eterno de seres humanos vai depender muito dele estar certo, sobretudo no que diz respeito aos temas cruciais da teologia cristã. Sabendo disso o teólogo precisa ser extremamente responsável ao fazer sua teologia. Evitar especulações ou idéias que possam colocar em cheque a salvação de indivíduos, e ao mesmo tempo se colocar na posição de guardião da verdade de Deus. Embora os teólogos, assim como os filósofos façam uso da mesma ferramenta em seu trabalho,isto é; o pensamento, o teólogo por sua vez deve se concentrar em saber que é imprescindível que sua teologia tenha os pés no chão. Que por ter plena consciência que é ser humano finito e pecador, portanto passível ao erro, não pode se dar ao luxo de sair numa aventura em busca de uma nova e pretensa verdade. Ele deve saber que a teologia não é extática e está sujeita a evoluções e aperfeiçoamento, entretanto em relação aquilo que representa o cerne da fé cristã, aquelas construções teológicas aceitas universalmente, e cuja negação pode influenciar na salvação do crente, tem que ser preservada. Todo aquele que se aventura no campo da teologia precisa se conscientizar que lhe é negado o direito de errar, deve, portanto, destronar da sua vida a tentação de adotar concepções de risco que não corresponde com a verdade histórica e ter uma maturidade verdadeira, construída sobre sólidos alicerces. Diferentes dos filósofos que costumam se concentrar em discursos abstratos de tópicos às vezes irrelevantes no sentido de em nada influenciar no cotidiano das pessoas, o teólogo por sua vez deve evitar os devaneios e saber que o cristianismo está fundamentado na convicção de que a verdade existe e que Deus é sua fonte e autor, e deve trabalhar incansavelmente pela fé que uma vez por todas foi confiada aos santos. (Jd 3). Cabe também neste contexto outras observações do Apóstolo Paulo que diz:
Não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o diabo. Também deve ter boa reputação perante os de fora, para que não caia em descrédito nem na cilada do diabo. (1 Tm. 3:6,7).
E as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros. ( 2 Tm. 2:2)

Donizete.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

União hipostática


Num artigo anterior (Credos e confissões) consideramos o fato de que as doutrinas possuem diferentes níveis de importância , e que as vezes verdadeiros embates eram travados não pela palavra em si, mas por entendimentos provincianos da verdade. O escolasticismo , porém enxergava esta questão sob outra ótica. Tanto o escolasticismo medieval como o protestante reformado considerava a sistematização do todo da doutrina cristã como A VERDADE. O método escolástico vê todas as verdades no mesmo nível e considera a negação de qualquer parte do sistema a negação de todo o sistema. Não havia uma divisão sistemática, mas uma única estrutura que incorporava todo o conhecimento teológico, ou seja; um único sistema que abrangia todo o complexo doutrinário. Em função disso não faziam uma distinção qualitativa em torno das convicções teológicas. De modo que doutrinas consideradas secundárias dentro de um estudo sistemático, eram consideradas de igual valor às questões que envolvem a definição da natureza de Deus. Detalhes periféricos da teologia eram defendidos com o mesmo vigor com que defendiam as doutrinas cruciais do cristianismo. Estavam dispostos a encarar o paredão por questões mínimas da soteriologia, como fazem ainda hoje os monergistas radicais que tentam impor na base da força convicções que a tempo foram excluídas do rol das doutrinas essenciais para o cristão. Nesta oportunidade colocarei para discussão aquele que é considerado o segundo maior desenvolvimento teológico da história da Igreja, que é a articulação da natureza da pessoa encarnada de Jesus Cristo, especificamente a doutrina das duas naturezas, a divindade e a humanidade. E a explicação de como as duas naturezas se unem numa só pessoa. (União Hipostática). Desde o nascimento da igreja, havia um reconhecimento implícito de que Jesus, de modo singular, era plenamente humano e plenamente divino. A princípio a igreja não se preocupou em explicar a natureza da encarnação ou relacionar o divino com o humano na pessoa histórica de Jesus Cristo. As conclusões cristológias foram forjadas à medida que iam surgindo às controvérsias acerca desta doutrina.   
Assim como no caso de Ario, que criou a controvérsia em relação Trindade e à divindade de Jesus, o entendimento da pessoa de Cristo, mais especificamente sobre as duas naturezas, originou também através de polêmicas, neste caso, o entendimento só foi refinado e concluído em três controvérsias sucessivas. Para entender melhor as conclusões cristológicas que se tornaram definitivas no concílio de Calcedônia em 451, precisamos entender o clima teológico daquela época. Na igreja dos séculos IV e V, existia duas escolas teológicas de fala grega. A de Alexandria, que por ser pesadamente influenciada pela filosofia platônica, tinha mais interesse pelas realidades espirituais, e sua tendência era enfatizar a divindade de Cristo em detrimento de sua humanidade. Um dos grandes defensores da ortodoxia nicena (referência ao concílio de Nicéia onde foi definida a doutrina da trindade), foi Apolinário, teólogo da escola alexandrina. Apolinário não admitia um Cristo plenamente humano. Sua teoria era de que, na encarnação, Jesus Cristo assumira corpo e alma humanos, mas o espírito (a mente racional) fora substituído pelo Logos divino, a segunda pessoa da trindade. A reação contra o ensino de Apolinário veio rapidamente, e seu ensino foi considerado herético pelo concílio de Constantinopla, no ano 381. A segunda importante escola teológica de fala grega tinha sua sede em Antioquia. Essa escola estava interessada na interpretação histórica das escrituras e destacava a humanidade de Cristo. Embora não negasse a divindade de Jesus, sua atenção estava voltada para sua humanidade. Seu representante no que diz respeito ao entendimento das duas naturezas de Jesus foi Nestório, patriarca de Contantinopla. Nestório traçou, como era típico da escola de Antioquia, uma distinção acentuada entre a humanidade e a divindade na pessoa encarnada de Jesus. Esta distinção era tão acentuada que ele foi acusado de ensinar que Jesus era na realidade duas pessoas habitando um único corpo: o filho de Maria e o filho de Deus. O concílio de Èfeso em 429 condenou Nestório e sua doutrina dos “dois filhos.” Vinte anos depois eclodiu outra crise cristológica. Dessa vez, o centro da controvérsia era Êutico, respeitado ancião de Contantinopla. Êutico, influenciado pela teologia espiritualista de Alexandria, ensinava que, após a encarnação, Jesus possuía apenas uma natureza, a divina. Acreditava que a humanidade de Jesus fora absorvida por sua divindade e que na encarnação as duas naturezas se fundiram para compor uma terceira, mais que humana e menos que divina, um “tertium quid” (“uma terceira coisa”). Êutico e sua teoria, por fim, foi condenado em Calcedônia em 451. Note, portanto, que há uma diferença significativa entre as convicções dessas duas escolas. A primeira afirmava que as duas naturezas fundiram-se em uma só, a divina. A segunda reconhecia a dupla natureza de Cristo, porém criava um grave problema ao dividir em duas à pessoa de Cristo. Mais conforme já foi dito, o apolinarismo, bem como o nestorianismo e o eutiquismo foram devidamente condenados no Concílio de Calcedônia que formulou as suas conclusões na célebre definição de Calcedônia:    
"Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e o mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade e perfeito quanto à humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e corpo; consubstancial ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade... Um só e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação..."
Devemos considerar também que no final do século XIX alguns teólogos europeus começaram a defender a encarnação de Jesus com outro conceito, A chamada “teoria Kenótica”. Kenosis vem do verbo grego kenoõ, que significa esvaziar. Ensino sustentado pela interpretação de Filipenses 2:5-8. Segundo essa tradição o texto sugere que Jesus renunciou de alguns atributos divinos (onisciência, onipotência, onipresença), enquanto estava como homem. Isso não era visto como imposição, porém, uma autolimitação voluntária de Cristo. Entretanto essa idéia de Cristo como uma manifestação do Logos esvaziada, nega automaticamente a sua divindade, ou a torna totalmente distanciada do Jesus Homem, e isso torna então o Filho de Deus uma criatura apenas. O leitor pode perceber que muitos pregadores atuais usam essa definição teológica para explicar as duas naturezas de Cristo desconhecendo as implicações decorrentes dessa linha de pensamento. Contudo, e bom sabermos que nenhum estudioso renomado durante os 1800 anos de história da Igreja considerou o termo “esvaziou-se” entendendo que Jesus abandonara algum atributo divino. Esse “esvaziar-se” segundo a ortodoxia, não subtrai, mas adiciona a forma de servo e semelhança humana para cumprir uma missão: a morte na cruz. O apóstolo Paulo não tinha o objetivo de defender a tese do “esvaziamento” de Jesus, mas de convencer aos destinatários a fazer tudo com humildade. Para concluir, a união hipostática significa que as duas naturezas atuam juntas. Jesus não exerceu sua deidade em certas ocasiões e sua humanidade em outras. Seus atos sempre eram da divina e da humana. Essa é a chave para compreender as limitações funcionais que a humanidade impôs sobre a divindade. Sobre Jesus Paulo afirma  que: "Nele (o Jesus Humano) habita corporalmente toda a plenitude da divindade."

Um abraço, Donizete.


Bibliografia:
Uma introdução a teologia, Sawyer, M. James
Historia da teologia cristã, Olson, Roger

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Credos e confissões




Existe por parte dos teólogos o reconhecimento de que algumas doutrinas são mais importantes que outras, que pode ser estabelecido uma graduação, uma separação entre doutrinas essenciais e não essenciais. De modo geral podemos dizer que todas as doutrinas possuem o seu valor, mas muitas não fazem parte do cerne do Kerygma apostólico, e por essa razão dentro de uma escala de valores, algumas doutrinas podem ser classificadas até de quinto valor. Os teólogos são unânimes em declarar que há um cerne de verdade que se estabeleceu ao longo dos séculos, sobretudo no período Patrístico, e sobre o qual existe a concordância por todos os cristãos, ou seja: o sine qua non do cristianismo. Doutrinas como a Trindade econômica e a união hipostática, na maneira em que foram afirmadas nos concílios de Nicéia (325) e da Calcedônia (451) respectivamente, estão na categoria dos dogmas que são aceitos por toda a cristandade. E a negação destas verdades se constituirá heresia. Para entendermos melhor esta valoração de doutrinas, é imprescindível conhecer as razões e circunstâncias em que foram formuladas e formalmente aceitas como sendo de caráter inquestionável. As verdades centrais do cristianismo foram amplamente deliberadas em concílios como os citados acima, onde foram elaborados e definidos os credos da igreja. A propósito, é bom entendermos que existe uma significativa diferença entre um credo e uma confissão. Porque a igreja atualmente crê e pratica exatamente as deliberações tomadas nestas assembléias. As confissões geralmente são documentos elaborados por uma igreja para expor sistematicamente as doutrinas defendidas por elas. É limitada a uma tradição específica, como por exemplo: a confissão de Westminster, que faz defesa de um sistema doutrinário estritamente calvinista, e que, na sua estrutura representa a crença de apenas uma ala do cristianismo, portanto, em alguns pontos está muito longe de ser uma unanimidade. Ao passo que um credo, é na sua essência universalmente aceito e defendido por todo o cristianismo. É algo que uniu ao longo dos séculos, e tem unido ainda hoje cristãos em todo o mundo, sejam ortodoxos, católicos romanos ou protestantes. É bom salientar que nem o credo ou a confissão são considerados infalíveis, excetos para algumas correntes teológicas que os coloca no mesmo nível das escrituras. Os protestantes porém, consideram os credos e os decretos dos concílios cristãos, com exceção daqueles que foram realizados pela Igreja romana, como estando em consonância com as escrituras, entretanto esta última é a sua regra de fé e prática. Enfim, na cosmovisão protestante, um credo ou uma confissão pode ser aperfeiçoado e melhorado.
Os cristãos hoje, de um modo geral, estão divididos em duas tradições: o calvinismo e o arminianismo. Dois grupos com posições soteriológicas conflitantes. Contudo concordam entre si em relação às verdades essenciais das escrituras deliberadas nos credos cristãos. E há por parte desses grupos, um reconhecimento geral de que a verdade está em Deus, mas que o ser humano não é Deus e tem apenas uma compreensão incompleta de sua verdade. Por isso ao reconhecermos a importância relativa da verdade que sustentamos, o melhor a fazer é manter o vínculo de unidade e amor, independente de qual corrente teológica pertença. E lembrar que:
No essencial, precisamos ter unidade.
No não essencial, precisamos ter tolerância.
Em todas as coisas, amor.

Um abraço. Donizete