Por Donizete.
A teologia do processo representa a tentativa de
alguns pensadores cristãos contemporâneos de reconstruir a doutrina de Deus e
toda a teologia cristã, para harmoniza-la melhor com as crenças modernas sobre
a natureza do mundo. Os pensadores da teologia do processo partem da
pressuposição prática de que a teologia cristã deve ser atualizada e revisada
em cada nova cultura, à luz de seus interesses, questões e dúvidas específicas.
A rigor, se trata de uma resposta radical ao
monergismo extremista agostiniano. Fundamentado no desejo de defender um
conceito radical do livre arbítrio do ser humano, seus defensores negam que
Deus saiba o futuro e que ele seja soberano sobre a história.
Antes porém, é bom observar que esta tendência
filosófico-teológica não é uma exclusividade cristã. Mas teve sua gênese nos
pensamentos de filósofos racionalistas do século XVII. Ela foi muito enfatizada
nos ensinos que o filósofo judeu Baruch Spinoza, (fugindo da interpretação
tradicional de seus compatriotas, como Maimônides por exemplo) empregou nas
sinagogas portuguesas, e que teve grande influência não apenas entre os judeus
secularizados. Ainda que ali, esta dialética se concentrava apenas nas questões
que diferenciavam o teísmo do panenteismo. Atualmente, um significativo número
de Rabinos também seguem esta tradição teológica.
É bom salientar que, alguns pensadores católicos
romanos também aceitam alguns aspectos dela. Seu atrativo parece estar na
solução que oferece para o problema do mal e do sofrimento dos inocentes. No
século passado, as Guerras Mundiais e os holocaustos que as acompanharam
desafiaram radicalmente as idéias de muitos teólogos a respeito de Deus e do
sofrimento. A pergunta que insistia em não calar era: Onde estava Deus quando
seis milhões de judeus foram executados em câmaras de gás e incinerados pelos
nazistas? Para muitos teólogos contemporâneos, os horrores da guerra e do
genocídio do século XX exigiam uma revisão radical das noções agostinianas do
poder e da soberania de Deus. As respostas que o teísmo clássico fornecia a
estas questões estavam longe de serem satisfatórias.
A questão era simples, se Deus pudesse impedir
as chacinas de homens, mulheres e crianças inocentes, ele teria feito. O caso
portanto é que ele não podia. Por esta razão, os estudantes de teologias
encontraram consolo e refúgio, e por que não dizer as respostas, no conceito de
Alfred Whitehead (1) sobre Deus como um “companheiro no sofrimento”.
Conflito existencial semelhante viveu o Pr
Ricardo Gondim. Num texto escrito por ele horas após o terremoto seguido de
Tsunami na Indonésia, onde dezenas de milhares de pessoas morreram, ele
apresenta sua teodicéia. E no limite de sua consternação diante daquela
tragédia, fez os mesmos questionamentos dos pensadores que viveram o horror das
guerras mundiais. E neste mesmo texto ele admite que, diante de fatos como estes,
muitos alicerces onde são montados os edifícios teológicos, demonstram total
insegurança. Por isso precisam ser urgentemente revistos.
E não é por acaso que no Brasil, o principal articulador do teísmo aberto ou teologia relacional (2) como ele prefere chamar é o próprio Gondim. Em um de seus textos ele ilustra a relevância desse ensino da seguinte forma:
“Na teologia clássica o futuro já aconteceu, não apenas por determinação de deus, que exaustivamente decretou que todas as coisas (boas e ruins) acontecessem, mas também porque ele em sua onisciência já sabe de tudo o que vai acontecer como já “acontecido”... Assim, não sabemos como nos comportar direito quando oramos e nem sabemos agir quando coisas ruins acontecem. Quando algum mal acontece, dizem-nos que a vontade de deus nunca é frustrada, e que ele tem uma agenda secreta que ainda não entendemos. Tentam nos confortar afirmando que precisamos apenas acreditar que ele tem o melhor para nós... Assim, vivemos uma esquizofrenia espiritual tremenda, cremos em verdades dogmáticas e agimos contrários a ela. A teologia relacional traz consistência à nossa espiritualidade, pois reforça a nossa compreensão paternal de Deus, lança luz sobre nossa responsabilidade e nosso infinito privilégio de cooperarmos com o criador. Somos artesãos do futuro. Numa teologia relacional o futuro inexiste e Deus nos chama para sermos parceiros de sua construção.”
No princípio, as idéias de Gondim pareciam ser limitadas aos seus escritos e discursos, inclusive sendo combatidos com severas críticas por personalidades evangélicas tradicionais. Entretanto, noções similares começaram a aparecer em diversos setores, e defendidas por líderes de diversos segmentos evangélicos.
Entre eles o influente Pastor Ed René Kivitz que também esboçou em alguns de seus textos, sua propensão a uma redefinição dos atributos de Deus e uma mudança nos paradigmas do pensamento, quando se propõe a encontrar a solução para o problema do mal.
Os defensores do teísmo clássico por sua vez, acusam os proponentes do teísmo aberto de possuírem no bojo dessa teologia traços panenteístas, de utilizar uma dialética hebraica bíblica que desconhece a realidade do mistério, de não saber lidar com as tensões existentes nas escrituras no que tange as revelações acerca da natureza de Deus. Segundo os críticos, esta teologia é uma forma inconseqüente de tirar das “costas de Deus”, a responsabilidade pelo sofrimento que há no mundo. Dizem que o resultado dessa boa intenção foi catastrófica. Sem contudo, apresentar uma refutação que enfraqueça as premissas que a teologia relacional usou como fundamento para o seu conceito.
Como me considero livre para pensar e tecer meus
próprios fundamentos teológicos, baseados em premissas que em até certo ponto,
extrapolam o que é aceito tradicionalmente, considero-me adepto da teologia
progressista. (postura teológica que o Rev. Augustus Nicodemus educadamente
desdenhou em seu livro “O ateísmo cristão
e outra ameaças à igreja” capa utilizada na ilustração acima) Pois creio
que a teologia é viva e dinâmica, jamais estática, assim como Deus também não.
Por isso eu me recuso terminantemente ficar preso a qualquer sistema teológico,
seja ele conservador ou liberal. Por esta razão não acredito que a melhor
maneira de refutar o radicalismo calvinista, seja apresentar uma outra proposta
não menos radical. Como no caso a teologia do processo fez.
Penso, que o importante seria não definir
delimitações ou padronizar o modus
operandis de Deus. A proposta da teologia do processo em promover
radicalmente um esvaziamento de Deus em relação aos seus atributos não é das
mais convenientes, por que não dizer tecnicamente impossível. Por outro lado
manter a tradição milenar de atribuir aos propósitos secretos de Deus os
acontecimentos trágicos que ocorrem, é prender o pêndulo na posição
radicalmente oposta. Por esta e outras razões, uma visão teológica equilibrada
se torna necessária para não desdivinizar Deus ao ponto de inferir que as
situações fogem de seu controle, mas também não pressupor que Ele age motivado
pelos sentimentos mais baixos que existem na natureza humana ou apresentar
explicações evasivas em ralação ao problema do sofrimento no mundo.
Por isso, nada melhor do que evoluirmos junto à
história. Não permitir que nossa teologia fique estagnada e se acomode em
alguma radicalidade. Pois qualquer teologia radical terá sérios problemas e
graves consequências.
Finalizo este texto com uma frase dita por um amigo
certa vez: “a confissão de fé de quem é
inteligente é construída na vida, na existência, no caminho. A estrada se abre
enquanto se caminha e o caminho se faz enquanto anda nele”.
Abraços.
Notas:
1. Alfred Whitehead. Um dos principais articuladores da teologia do processo na década de 30.
2. Os termos teologia do processo, teísmo aberto e teologia relacional são intercambiáveis. Ainda que Gondim negue esta conexão, estudiosos afirmam que se trata na verdade de versões diferentes de uma mesma teologia.
Para comentar este artigo visite o blog. logosemithos.blogspot.com
Dini, já comentamos seu texto em algum lugar. rsrs
ResponderExcluir"Não permitir que nossa teologia fique estagnada e se acomode em alguma radicalidade. Pois qualquer teologia radical terá sérios problemas e graves consequências."
Não permitir muito mais que a nossa comunhão com Deus se perca em devaneios teológicos. O que nós vivenciamos, ninguém pode apagar ou dá outra conotação.
Beijo.
DONI,
ResponderExcluirvocê disse
"Edu, a frase junguiana de que Deus está em nossa psiquê, soa como um paradoxo. Pois se é fruto do nosso inconsciente, logo, ele não pode existir. Ou no máximo, pode ser um Deus estabelecido por mim para minha própria conveniência.
Edu meu chapa, você foi laçado pelo neo-ateísmo? Vamos. Confessa! kkkkkkkkk"
Por que o Deus da psiqué não pode existir?
Esse "Deus da psiqué" não é o Deus teologizado. Esse Deus da psiqué é aquela extrutura que já vem no nosso cérebro com a função de transcender. Fato que vem sendo estudado pelos neurocientistas que estão virando neuroteólogos.
Paz Seja Contigo, irmão Donizete.
ResponderExcluirNa minha tentativa de expressar a Soberania Divina, contesto aqueles que dizem que Deus não pode ter se arrependido de ter criado o homem e por conseguinte ter decretado o dilúvio. Portanto, os que assim afirmam, baseiam-se no atributo de Sua onisciência; ou seja, por Ele saber de fatos futuros, não poderia expressar arrependimento; pois se assim O fizesse, "estaria teatralmente representando sentimentos de arrependimento de coisas e/ou fatos com conhecimento antecipado pela Sua própria onisciência".
Desfazendo este equívoco sobre os atributos de Deus, afirmo que Deus não é escravo da Sua Onisciência e de nenhum de Seus atributos.
Usando um pouco do artifício da conjectura podemos afirmar que, até nós seres humanos, temos o livre arbítrio de, por exemplo:
Ao assistir um filme, abrir mão de ver o final do mesmo. Portanto, o Senhor Deus também tem livre arbítrio, o que lhe permitiria querer saber ou não de um determinado fato futuro, ou vê-lo parcialmente (pouca profundidade), conforme a Sua soberana vontade. Pois o Deus Todo-Poderoso é soberano e Seus atributos (Onisciência, Onipresença e Onipotência), não são maiores do que Ele.
Outra consideração que exponho, é a questão da Fé cristã em concordância a Soberania de Deus.
De forma nenhuma a Fé pode ser incondicional, pois a mesma está estritamente condicionada ao ensinamento de Cristo.
Com relação aos atos soberanos de Deus: não se trata de um deus coadjuvante e fatalista, e sim de um DEUS que tem compromisso com a Sua Palavra e que vela em cumpri-la. Portanto, não se pode confundir a Fé, que é a expressão genuína do homem para com o seu Criador; e Soberania de Deus, que é a Sua própria fidelidade ao cumprimento daquilo que Ele mesmo estabeleceu em Sua Palavra.
Um abraço do Discípulo de Cristo,
J.C.de Araújo Jorge
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