terça-feira, 4 de outubro de 2011

Antes e depois de Barth





Karl Barth é identificado como o fundador do movimento neo-ortodoxo e também considerado um dos grandes teólogos da historia da igreja, com Agostinho, Tomás de Aquino e João Calvino. Alguns o consideram um moderno pai da igreja, pois seu pensamento dominou o século XX. Quando os historiadores da igreja cristã analisam o século passado em busca do grande pensador que o represente, a escolha é obvia: Karl Barth. Pois quase que sem ajuda, mudou a maré da teologia protestante européia. Nesta façanha é comparável a Lutero.
Barth nasceu em Basiléia, na Suíça, em maio de 1886, sendo o filho mais velho de um pastor na igreja reformada. Foi Pastor em algumas igrejas, lecionou teologia em vários seminários da Europa.
Este grande teólogo, reconheçamos ou não, tem muita influência nos sistemas teológicos atual. A propósito; nossa crença, nosso pensamento, o que conhecemos e praticamos hoje no que diz respeito a vida cristã e a teologia, tem a interferência de sistemas doutrinários elaborados pelos grandes pensadores da história da igreja, sobretudo dos teólogos da pós-reforma.
Barth, por exemplo, deixou um legado precioso para as gerações futuras, não há como deixar de reconhecer sua contribuição no sentido de que o protestantismo voltasse a sua forma proposta pelos reformadores, com algumas transformações é claro.
Nesta oportunidade quero destacar apenas um dos aspectos de sua teologia, que é o equilíbrio que ele deu no que se refere a interpretação bíblica. Destaque para a questão da inerrância.
Barth iniciou seus estudos no momento em que o iluminismo estava em alta. Como qualquer outro estudante de sua época, teve conhecimento e influência da filosofia de Immanuel Kant, e da teologia de Friedrich schleiermacher que é considerado o pai da teologia liberal, a qual Barth bebeu de suas fontes nos primeiros anos de seu ministério.
Em meados da segunda década do século XX, Barth rompeu com a teologia liberal, depois de sofrer uma decepção com os intelectuais desse movimento, mas sobretudo ao ser influenciado por  Søren  Kierkegaard do qual ele obteve sua metodologia teológica característica: a dialética, o paradoxo, a decisão e a crise, por isso o movimento teológico iniciado por ele é também conhecido por teologia dialética, teologia da crise, neo-ortodoxia e Barthianismo.                       
 A teologia liberal reinava absoluta nos países europeus naquela época. Mas em 1910, numa contra ofensiva ao liberalismo surgiu um novo movimento chamado de fundamentalismo, que foi na verdade, uma reação exacerbada, que é típico de qualquer outro tipo de fundamentalismo extremo. Foi  então estabelecido dois opostos. Enquanto o liberalismo trabalhava no sentido de adequar a bíblia ao conhecimento científico e o otimismo exagerado do momento, secularizando a igreja, fazendo com que a Bíblia se tornasse um livro de antiguidades, cheias de mitos, o fundamentalismo por sua vez tinha a ambição quase doentia, bem ao estilo xiitas, de defender a inspiração verbal plena e a infalibilidade (inerrância) absoluta da Bíblia. Eram tão radicais, que os teólogos dessa ala acreditavam que até os pontos vocálicos dos textos bíblicos eram inspirados.
Graças a ação de Barth, seu pensamento, e sua teologia equilibrada, hoje podemos dizer que estamos até certo ponto livre de todo e qualquer extremismo, seja radical ou liberal. Sua leitura em relação a sagrada escritura é perfeita. Vale a pena conferir seus métodos.
Karl Barth deixou importantes e volumosos escritos, como por exemplo: o comentário da carta aos romanos e a Dogmática eclesiástica, que é um sistema completo de teologia baseado na palavra de Deus. Quando ele morreu em Dezembro de 1968, a obra já consistia em treze grandes volumes.
A única idéia que talvez deixemos de compartilhar com ele, (pelo menos no meu caso) seja sua inclinação ao Calvinismo. De fato Barth defendia a soberania de Deus na eleição e “rejeitava” o sinergismo. Porém ele próprio dizia que sua doutrina em relação a salvação e a eleição era na verdade um supralapsarianismo purificado. Ou seja, bem mais light.
Para concluir: Consta em sua biografia que ele fez uma única viagem aos Estados Unidos em 1960, para participar de uma mesa redonda com vários teólogos norte americanos na Capela de Rockefeler, em Chicago.  Na fase de perguntas e respostas após o debate, um estudante  levantou-se e colocou uma pergunta que fez o auditório inteiro segurar o fôlego: “Professor Barth, o senhor poderia, por favor, resumir em poucas palavras a obra de sua vida inteira?”. Conta-se que Barth fez uma breve pausa e depois respondeu: “Certamente. Emprestando as palavras de um cântico que minha mãe me ensinou quando eu era criança: Jesus me ama, isso eu sei, porque a Bíblia assim me diz”.

Donizete

11 comentários:

  1. Oi, Donizete,
    Gostei muito do texto. Uma pena não poder fazer uma análise e comentários mais complexos pois desconheço completamente a história da teologia.
    De qualquer forma é sempre bom ler e aprender.
    Com tantos amigos eruditos,um dia eu chego lá!

    Obrigada por sua gentil visita ao meu blog.

    Fica com Deus.

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  2. já vi que você adora o barth....kkkkkkkkkkkkkk

    de tudo o que li do barth(e não foi muita coisa), percebe-se de fato a pena de uma inteligência teológica refinada. (o tijolaço do comentários aos romanos já tenho há anos e ainda não terminei de ler...rs)

    também acho que o mérito do barth foi buscar um equilibrio entre liberais e fundamentalistas. mas eu acho que esse equilíbrio está desequilibrado para o lado fundamentalista.

    não sei qual era a opinião do barth em relação ao pensamento de bultmann, mas este sim, creio, fez um equilíbrio melhor não fechando os olhos para os mitos que há na bíblia(queiram os fundamentalistas ou não)e o kerigma do evangelho que produz vida autêntica, mas que também rompeu com o liberalismo.

    enfim, vocês grandes homens de fé, piedosos e teólogos que mudaram os rumos da ortodoxia. pena que 90% dos crentes de hoje não sabem quem foi os dois e nem sabe o que é neo-ortodoxia...

    cara, eu, você, rodrigo e o kilim, devíamos abrir um blog coletivo de teologia, pois ia bombar...rsssssssss

    a amiguinha mariani seria a mascote...kkkkk

    abraços, véio.

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  3. ah, só prá constar, também vejo méritos no liberalismo teológico(apesar da radical secularização da fé), só não consigo ver nenhum mérito é no fundamentalismo.

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  4. Mariani,

    É sempre uma honra receber sua visita. Sinta-se a vontade para tecer seus comentários fazer suas análises, enfim, compartilhar suas idéias. Vamos aprender juntos pois somos eternos aprendizes.

    Abraços. Fique com Deus.

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  5. Edu,

    Você tem o comentário aos romanos? Não venda , não doe, não empreste... rsrsrs... Esta obra é um clássico da literatura cristã... Os historiadores da igreja considera a publicação desta obra como sendo um dos 100 maiores acontecimentos da sua história. Outra obra prima da cristandade é a sua Dogmática cristã. 13 vezes maior do que este “tijolaço” que você possui em sua biblioteca.

    Edu, li em algum lugar que você, no inicio de carreira teológica, leu em primeira mão a teologia contemporânea de Abraão de Almeida. Então você sabe bem qual é a impressão que Ele passa de Barth, Bultmann e outros grandes teólogos do século passado. E na maioria dos casos são materiais como este que os iniciantes em teologia tem contato. Aí surge aquele bloqueio natural que bem conhecemos.

    Quando comentamos sobre estes personagens essenciais para o desenvolvimento teológico, ocorre também a necessidade de fazer algumas comparações. Por exemplo: O final do século XIX e início do século XX, é considerado por muitos como a ERA DE OURO DA TEOLOGIA CRISTÃ. Neste período surgiram os grandes pensadores da história da igreja. Agora, há um dado preocupante: embora a erudição evangélica nunca tenha estado num nível tão superior como agora, compreende-se que estamos entrando numa NOVA ERA DAS TREVAS no que diz respeito ao conhecimento da teologia. Talvez o principal fator que leva a esta degeneração, é que as grandes personalidades do meio cristão tornaram-se “empreendedores”, trocaram a tempo os compêndios de teologia pelos manuais de administração de empresas. Mudou-se o foco.

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  6. Edu, você disse:

    “não sei qual era a opinião do barth em relação ao pensamento de bultmann, mas este sim, creio, fez um equilíbrio melhor não fechando os olhos para os mitos que há na bíblia(queiram os fundamentalistas ou não)e o kerigma do evangelho que produz vida autêntica, mas que também rompeu com o liberalismo”.

    Na verdade Edu, existe um pouco de confusão nesta parte. Pois geralmente Barth é associado com Bultmann, Tillich e outros teólogos liberais. De fato eles seguiram Barth no rumo duma nova compreensão teológica. Entretanto eles andaram na mesma margem do rio por pouco tempo.

    Uma coisa interessante Edu, o período em que estes homens viveram, no campo teológico era um verdadeiro caldeirão pronto a explodir. Imagine, fundamentalistas dispostos a dar a vida por uma vírgula da Bíblia, do outro lado um liberalismo extremado. O comentário de romanos de Barth caiu como uma verdadeira bomba neste terreno (liberalismo). Bultmann com sua teoria da mitologização do novo testamento. Onde só se salva como fato histórico a crucificação. O Tillich com sua visão panenteísta da divindade, sem falar no pentecostalismo ressurgente, emergente e alheio a todo este panorama e tantas outras controvérsias. Mas a despeito de tudo isso, é inegável que estes homens construíram a base que domina o pensamento atual no que se refere a teologia. Vale a pena discutir tudo isso.

    Abraço.

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  7. Donizete, não há como negar a relevância, competência e contribuição do Barth no contexto teológico, mas fico me perguntando como um cara com uma mente tão privilegiada pode se permitir a resquícios calvinistas.

    Bem, isso nos prova que somos especialistas em elaborações sobre Deus, e que toda teologia por nós concebida não passa de especulação de quem quer definir o indefinível.

    Temos uma necessidade latente de dar endereço, nome e forma definida aos nossos "bois sagrados".

    Quando isso é feito de forma a reverenciar a experiência alheia creio qué sadio, mas quando se pretende uniformizar o que praticamente é impossível devido a leitura particularizada de cada um sobre seu próprio "bem de consumo divino", começa-se aí um processo de retrocesso intelectual e humano.

    Um abraço quase vizinho!

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  8. doni,

    é verdade; um dos primeiros livros teológicos que li ainda na adolescência(roubava os livros do meu pai prá ler; não entendia tudo mas lia assim mesmo... heeee), foi o do abraão de almeida. aliás, conservo até hoje essa edição do livro(roubei do meu pai em definitivo...kkkk).

    o comentário aos romanos do barth dá até preguiça só de pegar...mas ainda espero que traduzam a sua dogmática para o português, pois com certeza, compraria(nem que fosse pra ficar de enfeite na minha biblioteca).

    seus comentários são todos pertinentes. eu gosto do bultmann pois ele teve coragem de tocar num vespeiro, mas era preciso que houvesse esse enfoque nos estudos bíblicos.

    e é verdade que ele e tillich foram deixando barth no lado mais "à direita", mas ninguém pode diminuir o pensamento do barth.

    creio que eu já te disse que eu não acredito em "teologia verdadeira" e "teologia falsa"; para mim, todo labor teológico seja ele liberal, fundamentalista ou neo-ortodoxo(e as dezenas de outras teologias)são relevantes para a fé e para o pensamento cristão.

    logo, eu discordo de qualquer teologia, seja ela conservadora ou liberal, que se auto-intitule dona da verdade de deus.

    mas, como você sabe, os próprios discípulos de bultmann não foram tão radicais quanto ele no quesito "jesus histórico"; também acredito que seja possível saber mais do jesus da história do que bultmann se dispunha a admitir.

    hoje não existe mais teologia na igreja evangélica. aliás, os mais famosos tele-evangelistas desdenham dela. não há pensamento, reflexão, discussão sadia; só há um utilitarismo para usar a divindade para ser "vitorioso" e "próspero".

    nesse quesito, o catolicismo dá um banho no evangelicalismo.

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  9. ah, esqueci de comentar que atualmente tenho lido muito os comentários dos rabinos judeus do talmude, dos midraxes e da mishná. é um verdadeiro tesouro de fé, ética e espiritualidade sob o ponto de vista dos "donos das escrituras".

    não sei se você conhece, mas uma obra fenomenal é da editora sêfer, "a ética do sinai". um calhamaço em tamanho grande com mais de 500 páginas. vou usá-lo muito em futuras postagens.

    abraços. shalom, a paz do senhor e axé...

    fazer o quê, eu sou ecumênico...rssss

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  10. Franklin,

    Ainda que o teólogo não se pode dar ao luxo de cometer equívocos, por estar lidando com algo que pode interferir no destino eterno das pessoas, não podemos trabalhar com a hipótese de que o teólogo com que mais nos identificamos esteja seguramente certo em todas as suas convicções.
    Mas Barth não era um calvinista roxo, destes que idolatram o determinismo e o colocam como um cavalo de batalha. Defender Westminster não era sua prioridade. Graças a Deus!

    Esta necessidade latente é a fobia que cega a muitos no sentido de não reconhecerem a necessidade de fazer uma investigação epistemológica de suas crenças e convicções. Vai que eu esteja errado. Meu Deus!

    Te esperando praquele encontro! Rsrsrs

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  11. Edu,

    Na década de 80 a literatura evangélica era basicamente de escritores nacionais. Obviamente os nossos ídolos eram então, Abraão de Almeida, Antonio Gilberto, Emílio Conde e companhia. Mas reconheçamos! aprendemos muitas coisas com eles, na nossa (ex) comunidade de gueto, onde pensar em estudar teologia já era blasfêmia.

    Você disse:

    “creio que eu já te disse que eu não acredito em "teologia verdadeira" e "teologia falsa"; para mim, todo labor teológico seja ele liberal, fundamentalista ou neo-ortodoxo(e as dezenas de outras teologias)são relevantes para a fé e para o pensamento cristão”.
    Eu também não desqualifico nenhum sistema teológico, por mais nocivo que ele possa parecer. Holisticamente poderíamos dizer que são complementares na formação da nossa cosmovisão. Mas o que eu não coloco na pauta de negociações são as doutrinas basilares do cristianismo. O sine qua non da teologia. Sabemos quais são!

    Você está se especializando em literatura judaica! Daqui a pouco vai trocar o chapeuzinho do garoto por um kipoot. Rsrsr

    Valeu pela indicação. Vou comprar com certeza!

    Fique na paz. Abração.

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