terça-feira, 20 de setembro de 2011

Demasiado humano


Na sua obra Humano, demasiadamente humano, Nietzsche desenvolveu seu pensamento acerca de vários temas, incluindo as relações sociais. Analisando os sentimentos morais e examinando o homem em si e suas atitudes e pensamentos. Nietzsche era um pensador, como sabemos, que vivia em conflito consigo mesmo. E talvez devido a sua consciência deste fato foi que ele deu este título ao aforismo.  

Nos trás a lembrança também a história de que certa vez, Laura, a filha de Karl Marx submeteu o pensador alemão aquelas brincadeiras de perguntas e respostas acerca de variados temas, Típico de programas e revistas de generalidades atuais que tem o intuito de desnudar a intimidade da pessoa, e trazer a público suas preferências.

Consta que depois de responder a várias perguntas, como por exemplo: que a cor preferida é o vermelho, que o prato é o peixe, que o herói é Spartacus, foi indagado também qual era a sua máxima favorita. Sem titubear Marx responde: Nihil humani a me alienum puto (Nada do que é humano me é estranho), querendo afirmar sua convicção na idéia de fraternidade e humanidade coletiva.

Essa resposta oferecida pelo filósofo expressa, com propriedade, os ideais aos quais se dedicou sinceramente por toda sua existência. No entanto, nos nossos dias egonarcisistas, estamos perdendo as perspectivas de construção de uma convivência humana irmanada; cada vez mais ganham destaques ditados como “cada um por si e Deus por todos”, “cada macaco no seu galho” que traduzindo no velho e bom português; “cada qual se vire como pode”. Muito diferente dos ideais marxistas que objetivava a consciência do “um por todos e todos por um” que no pensamento do pensador deveria permear a existência humana.
Entretanto ao constatar o sentido inverso desta proposta de vida tomada pela sociedade, começou a perder a capacidade de espanto diante de atitudes egocentristas, e num tom letárgico de desabafo exclamou: Nada no ser humano me é estranho!

Na sociedade contemporânea vemos um comportamento exacerbado de isolamento e de repulsa pela necessidade do próximo, da preferência em não se envolver com o problema alheio. E  através do projeto de que para ter vida feliz e tranqüila, é necessário retirar-se para uma ilha paradisíaca, distante de tudo e afastada do maior número de humanos e humanas, isto é, isolar-se: ilha, condomínio fechado, alto da montanha, praia privativa, local inacessível, e de lá, quem sabe ficar apenas horrorizado virtualmente diante do que acontece com a humanidade no lado de fora.

Nada do que é humano nos é estranho. Prefere-se evitar o contato, Dado que, inclusive, até a maioria dos odores humanos naturais nos desagrada. Note que não nos incomodamos por acariciar o dorso suado de um cavalo ou caminhar em meio aos cheiros que exalam de uma estrebaria ou curral, alguns proclamam apreciar esse aromas; porém, a fragrância do suor humano incomoda, assim como muitos consideram insuportável os fluidos emanados de um banheiro (limpar banheiro é sinônimo de castigo!) somos capazes de ao andar pelas ruas, desviar sem problemas de fezes caninas ou felinas; contudo, encontrar fezes humanas é motivo de asco, repugnância, ou distanciamento, tal como quando nos deparamos com mendigos, doentes crônicos, menores abandonados, atitudes típicas da indiferença humana.

Quando assistimos estarrecidos líderes eclesiástico vivendo as turras, expondo publicamente sua agressividade mórbida por seus desafetos, ou sendo possuídos por comportamentos megalomaníacos, ou em outros casos querendo deixar transparecer apenas o estereótipo daquilo que essencialmente já perderam a tempos, nada mais lógico do que constatarmos sem surpresas que nada no ser humano nos é estranho.   

13 comentários:

  1. grande zete.

    a utopia é de muitos e de poucos. brota do mais profundo do ser humano ainda não anestesiado pelo...humano!! apesar de nossa inteligência e consciência(aquilo que nos aproxima do divino), somos animais egoístas, ainda a procura de uma revolução interior de compartilhamento e de reconhecimento do outro. marx foi um desses utópicos. esperava que seu socialismo viesse naturalmente mas vemos historicamente como de fato ele se deu...
    um outro utópico por excelência nos é bem conhecido. ele sonhou um reino onde todos vivessem como servos do outro; onde os conflitos seriam debelados pelo reconhecimento que o outro é superior a você(ainda que na prática não o fosse); um reino só de servos e sem nenhum soberano, a não ser a consciência da soberania divina "dentro de nós"...
    era uma mensagem utópica demais, a cruz foi o caminho que lhe restou e o mito existencial da "graça" que foi construído a partir dele, também exclui o outro, o "sem graça", o que não segue o caminho conosco, ainda que manifeste em sua vida, a ética do reino...

    parabéns pelo instigante e profundo texto.

    abraços

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  2. Eduardo,
    Creio que o socialismo idealizado por Marx teve sua gênese no livro histórico de Atos dos apóstolos. Os primeiros cristãos, a exemplo de Barnabé, num entendimento literal das palavras de Jesus "vende o que possuís e reparte aos pobres" e na tentativa de construir uma comunidade igualitária praticaram aquilo que essencialmente pode ser denominado "comunismo".
    Viveram uma quimera? foi uma construção de ideais e práticas utópicas demais? Não resta dúvidas que sim. Isso ficou notabilizado quando a fome que se abateu sobre jerusalém fez com que esta estrutura desabasse e fizessem com que eles caíssem na real.
    Mas a princípio podemos dizer que este era os ideais cristãos do primeiro século.
    Foi neste sentido que o brilhante Paulo Freire afirmou de forma provocativa que Marx era um cristão inconsciente.
    Atualmente Eduardo, qualquer proposta de um envolvimento maior com camadas sociais que vivem abaixo da linha de pobreza, tem o seu nascimento com data marcada para sua extinção. Veja o exemplo da teologia da libertação ou da missão integral.
    E muitos de nós, sob o pretexto de que estes sistemas não coadunam com nossa cosmovisão teológica, o condenamos temerariamente, Quando o que se passa na verdade é esta repulsa que sentimos por pessoas e ambientes impróprios aos nossos cinco sentidos.
    Até mais.

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  3. bem colocado...

    mas no caso do "comunismo de atos" você não vê ali também uma consciência escatológica muito grande de que a parousia se daria naqueles dias(vide o pensamento de paulo em primeiro tessalonicenses) e por isso, ajuntar bens materiais para si já não fazia muito sentido? aliás, não era esse também o pensamento de jesus ao imaginar que o reino de deus desembarcaria ali, durante sua missão de inaugurá-lo?

    bem, são apenas pontos para reflexão.

    concordo com você quando diz que

    "qualquer proposta de um envolvimento maior com camadas sociais que vivem abaixo da linha de pobreza, tem o seu nascimento com data marcada para sua extinção. Veja o exemplo da teologia da libertação ou da missão integral."

    mas não foi essa a proposta do próprio jesus? "bem-aventurados os pobres, pois dos tais é o reino"? por isso vejo essa utopia no projeto e na mensagem de jesus.

    a teologia da libertação foi um movimento interessante ao meu ver. pelo menos, trouxe o tema dos excluídos, que também foi um tema da mensagem de jesus, para o debate.

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  4. Edu,
    Esta questão do reino é assunto que rende calorosas discussões.
    De fato tanto João Batista como os apóstolos apregoaram a inauguração imediata do reino através de Jesus. Após a morte e ressurreição de Jesus, passada a decepção, fortaleceram nova expectativa devido a promessa da parousia que introduziria a nova ordem tão esperada. Agora, uma leitura cuidadosa das parábolas do reino no evangelho de Mateus, não nos permite inferir que Jesus também sustentasse este conceito. A parábola do grão de mostarda e do fermento deixa claro seu ensinamento sobre o reino. Na primeira, indiretamente Jesus diz que o reino um dia será uma grande árvore, apesar de ter naquele momento uma aparência frágil e insignificante. Na segunda esta incorporada esta mesma verdade básica. Ou seja; O reino penetrou no mundo de modo de difícil percepção, mas um dia dominará sobre toda a terra.
    Edu, sobre a segunda parte do seu comentário, eu diria que: Tanto a TL como a MI, são movimentos utópicos da contemporaneidade. Nos faz lembrar as palavras do pensador uruguaio Fernando Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia então? Serve para isso: para que eu nunca deixe de caminhar”.
    Bom fim de semana.

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  5. Ok Doni, tudo me parece vir das origens dos atos dos apóstolos. Mas, a questão seria, em que ponto exatamente a nau mudou o rumo. Teria sido a partir da reforma protestante? Ou a reforma já foi uma tentativa de corrigir distorções religiosas e sociais, onde somente o clero e as altas castas sociais podiam usufruir das benesses dos lucros e do enriquecimento? Paz querido!

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  6. Rô,

    Nutro simpatia por qualquer ideologia ou política que promova a inclusão, a aceitação das pessoas mais carentes nas redes sociais.(o próprio evangelho apresenta uma mensagem sociológica inclusiva) é dever do estado? sim! Mas a incompetência deste é a causa da criação de tantas ONGs para os mais diversos fins. E me pergunto; Qual será o potencial da igreja, no sentido de minorar este problema que é crônico neste país?
    Rô, esta práxis precede Atos. O socorro e a inclusão das classes carentes em redes sociais tem sua gênese no axioma teológico da bíblia no Antigo Testamento. Note que Já nos livros do Pentateuco havia uma preferência para com os pobres, desvalidos, as pessoas excluídas da sociedade. inclusive o oficio do messias era um ministério primariamente que se voltava para os pobres: “Levar boas noticias aos POBRES, anunciar LIBERDADE AOS CATIVOS” (Isaias 61.1).

    No livro de Atos percebe-se um engajamento ainda maior neste sentido.
    Agora, durante a maior parte da história,antes e depois da reforma, A religião atuou como um anestésico frente ao poder da classe dominante. O cristianismo que a exemplo de Atos deveria ter uma postura mais atuante, no aspecto social, pode se dizer que foi omissa na maior parte da historia, e fez pior; usou a teologia como meio de legitimar a dominação com uma hermenêutica tendenciosa a favor dos ricos.
    Acredito que se a igreja tivesse desempenhado bem seu papel, ideologias como a de Marx por exemplo não iria incomodar tanto.

    Até mais.

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  7. Profundo e pertinente o texto Donizete.

    Eu diria que as colocações que expôs sobre o Marx, é o mais puro Evangelho que não é do "MEIO".

    Não precisa ser crente para notar os descaminhos do coração do ser humano, nem mesmo precisa ser evangélico para que soluções a altura do Evangelho sejam propostas ou realizadas provocando assim uma atitude digna de um cristão.

    Particularmente o idealismo socialista me encanta em alguns aspectos.

    Creio que nós cristãos, ainda devemos muito a humanidade em relação a fé que defendemos. O discurso as vezes é contraditório quando comparado aos fatos.

    Evangelho é envolvimento e inclusão com a vida na sua totalidade, e não com programas e performances religiosas agendadas que promovam a auto satisfação.

    Valeu quase vizinho!

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  8. Franklin,

    Foi com este pensamento que o brilhante Paulo Freire, EX vizinho nosso, disse que Marx era um cristão inconsciente. Porque condenava a opressão.
    E com convicção afirmava: "sou cristão na vertical e marxista na horizontal".

    Valeu pela visita!

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  9. Donizete creio no poder transformador do evangelho, não creio que precisamos de ideologia socialista para acabar com injustiças sociais. Quando aceitamos esta ideologia tiramos completamente o evangelho de cena.Paz querido!

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  10. Escuta Doni, para mim o marxismo é o maior fomentador de um anticristianismo que chega a ser tendência geral entre os bem-pensantes rss. Marxismo é uma utopia socialista de poder total exercido por homens. Tira completamente o poder do Evangelho, não misture isso com Reino de Deus. Paz!

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  11. Rô,

    Também não sou a favor do marxismo. Pelo menos do rumo que esta ideologia tomou depois da sua morte. É mais ou menos igual dizer que gosto de Cristo mas não do cristianismo.

    Gosto do Marx pela sua visão revolucionária em relação ao sistema econômico e social na sua época. Enquanto todos os demais pensadores lutaram para entender o mundo, Marx lutou para transformá-lo. Fez algumas previsões, que se cumpridas, hoje o mundo seria outro. Livre das guerras da miséria e desta competição exacerbada que somos submetidos para termos nosso lugar ao sol. Qual cristão que não anseia por isto? O que mais indignava Marx, era exatamente a religião! Imagine, aquela que era considerada a detentora do monopólio do amor e da inclusão tinha um engajamento ínfimo no campo social. O catolicismo priorizava a classe dominante,visto ser esta sua principal mantenedora. Por outro lado os reformados e luteranos apregoando que a pobreza do indivíduo foi determinação divina.

    Entende sua revolta ao dizer que: "Nada no ser humano lhe é estranho?"

    Abração!

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  12. Também "acho legal esse tal Marx", ele teve boas ideias quando se diz respeito ao socialismo, entendo que ele queria o bem dos pobres e não da burguesia. Como todo ser humano ele estava equivocado em alguns pontos.
    Como seria a sociedade se todos fossem da mesma classe social todos teriam uma casa para morar um carro pra passear...
    Mas isto não é uma ideia, de Cristo,,, todos temos que ser um (igauais ,todos iguais sem destinção de pessoas...pois não a separação de pessoas.Ainda bem que na eternidade não terá filosofos, nem teologos...
    Deviamos partir para um ponto mais espiritual.
    Se é que voces me entendem...
    Ainda não sou teologo nem filosofo...
    Mas resumindo, prefiro ficar com Cristo pra sempre amémmmmm....

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  13. Doni, ele odiava a religião porque era ateu Doni. Leia sua palavras.

    Palavras do próprio MARX.

    "O comunismo começa pelo ateísmo."

    "Quero me vingar Daquele que reina lá em cima."

    "Com desprezo, bato no rosto deste mundo com minha luva e observo a queda deste anão-gigante, sem que esse fato possa sufocar meu ódio. Tal como Deus, vitorioso, caminharei através dos escombros deste mundo, atribuindo à minha palavra um poder ativo. Sinto-me tal como o Criador.”

    "Em uma palavra, odeio todo Deus."

    "O que é verdadeiro não é a realidade, mas o que me é útil."

    "Há verdades eternas como a liberdade, a justiça etc., que o comunismo destruirá. Ele suprimirá a religião, a moral, em vez de reorganizá-la. Sei que estamos em contradição com relação à evolução histórica, tal como a conhecemos até aqui. Qualquer que seja a forma que uma exploração tenha adotado, ela é um fenômeno constante em todas as épocas. A revolução comunista é a ruptura mais radical com todas as formas tradicionais de propriedade; não nos espantemos, portanto, se ela liquidar também, de forma radical, com as idéias tradicionais."
    Paz Doni!

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