Todos os seres humanos mentem, uns mais outros menos, mas todos mentimos. É próprio da natureza humana mentir, desde quando éramos pequeninos mentimos. Claro que há vários tipos de mentira, várias formas de mentir e não se pode negar que as mentiras tem intensidades e conseqüências diferentes. Mentimos para não causar um desconforto, mentimos para sermos politicamente corretos, mentimos para não ferir a auto estima de alguém, mentimos quando tememos que a verdade traga conseqüências negativas para nós mesmos ou para alguém, mentimos quando a verdade não serve aos nossos propósitos. Em todas as culturas se mente, todas as pessoas desde as mais novas às mais velhas. Mentimos por necessidade, por piedade, por amor, por maldade às vezes. Mentimos quando pretendemos passar uma imagem diferente de nós mesmos. Ou também quando razões externas nos pressionam a mentir. O fato é que nossa existência seria impossível sem este recurso que é a mentira. Mentir é uma habilidade que brota das profundezas de nosso ser, e nós a usamos sem cerimônia. Como escreveu o americano Mark Twain há mais de um século: "Todos mentem... todo dia, toda hora, acordado, dormindo, em sonhos, nos momentos de alegria, nos momentos de tristeza. Ainda que a boca permaneça calada, as mãos, os pés, os olhos, a atitude transmitem falsidade". Enganar é fundamental para a condição humana.
Por este motivo é que há alguns anos ocupam-se com o mistério da mentira não apenas filósofos, mas também sociólogos e psicólogos. E o resultado das pesquisas são impressionantes. Segundo alguns estudos, normalmente uma pessoa saudável conta uma mentira a cada dez minutos de conversação. E conclui que uma mentira vem aos nossos lábios cerca da 200 vezes por dia. Parece um exagero, mas não encontrei nenhuma outra fonte que apresentasse um resultado menos perturbador. Perturbador porque isto me leva a uma conclusão lógica: somos seres humanos, todo ser humano mente. Logo, somos todos mentirosos. E isto contraria meus conceitos acerca da mentira. A revista Galileu da editora globo realizou uma entrevista com o jornalista alemão Jürgen Schmieder, que desenvolveu um projeto de ficar 40 dias sem proferir nenhuma mentira. O resultado foram hematomas, noites dormidas no sofá, muitos insultos e uma amizade quase perdida. O relato sobre esse período livre de mentiras, e cheio de confusões, está no livro sincero - a história real e bem humorada de um homem que tentou viver sem mentir. Segundo seu relato não precisamos mentir mais do que 50 vezes por dia. Consolador!
Sabemos desde criança que mentir é um ato vergonhoso, que em toda a história da humanidade algumas mentiras, sobretudo aquelas em forma de calúnias, causaram muitas intrigas, levaram pessoas ao sofrimento, e fizeram derramar muitas lágrimas e sangue. Entretanto a história também está repleta de casos onde uma mentira livrou pessoas de morte iminente. Algumas inclusive bíblicas, como na caso de Raabe e das parteiras do Egito.Por isso estudiosos se dividem em suas opiniões acerca desse assunto.
Os Filósofos Immanuel Kant, Benjamim Constant e Arthur Schopenhauer por exemplo, defendem, cada um, uma opinião diferente sobre este assunto: Na verdade a discussão se desenvolve a partir de um suposto direito de mentir diante de determinadas situações.. As argumentações de cada um deles são baseadas na concepção que cada um deles têm da natureza dos direitos e deveres, isto é, a questão que se discute é se o indivíduo tem ou não o direito de mentir.
Aos três pensadores é sugerido o seguinte: Um assassino bate à sua porta com a intenção de matar seu amigo que está escondido em sua casa. Você deve dizer a verdade quando o assassino perguntar sobre o paradeiro do seu amigo, ou deve mentir e dizer que o amigo não se encontra no local?
Para Constant, junto ao conceito de dever está o conceito de direito e onde não há direitos, também não pode haver deveres, isto é, se o assassino tem a intenção de infringir a lei e matar seu amigo, tirando-lhe a vida, você não tem o dever de dizer a verdade porque o assassino não tem o direito a ela.
“Onde nenhum direito existe também não há deveres. Por conseguinte, dizer a verdade é um dever, mas apenas em relação àquele que tem direito à verdade. Nenhum homem, porém, tem o direito a uma verdade que prejudica o outro. Para Kant, um indivíduo não deve mentir em hipótese alguma, nem mesmo em circunstancias extremas como no caso em questão. Kant afirma que não podemos evitar dizer a verdade em relação a qualquer pessoa, mesmo que esta verdade provoque desvantagem para nós ou para outro. E se proferimos alguma inverdade, mesmo com a intenção de poupar a vida do outro, cometemos, desta forma, injustiça para com o indivíduo que nos pressiona a proferir uma declaração.
Porém para Schopenhauer há certas situações, nas quais, podemos fazer uso da mentira sem injustiça. Estes são os casos nos quais usaríamos a força para nos defendermos de uma agressão, isto é, podemos fazer uso da astúcia quando precisarmos da força para nos defender, mas não pudermos contar com ela, ou seja, quando não formos fisicamente fortes o suficiente para nos defendermos da agressão física.
O Filósofo deixa claro que no exemplo citado, não seria injusto mentir sobre o paradeiro do amigo procurado pelo assassino, pois aquele que promete algo sob coação, através da força, ou acreditando em falsas premissas, não é obrigado a cumprir a promessa; e, no caso exemplificado, o dono da casa está sendo coagido pelo assassino.
Schopenhauer afirma que temos o direito de mentir para nos livrarmos de assaltantes e violentos de qualquer espécie, para defendermos nossa própria vida, nossa liberdade, nossos bens ou nossa honra.
A argumentação Schopenhaueriana, a favor do uso da mentira em determinados casos, vai mais além. Schopenhauer diz que podemos mentir em qualquer situação, na qual, uma pergunta seja intromissiva , indevida, indiscreta, ou se refira a algo que não nos convém dizer. Por exemplo: alguém nos faz uma pergunta indiscreta. A nossa recusa em responder pode vir a causar suspeita. Então nos devemos mentir para preservar nossa intimidade contra a curiosidade alheia. O Filósofo afirma que existem casos em que é nosso dever mentir; os exemplos de Schopenhauer são os casos da medicina, isto é, do médico para com o paciente e outras inverdades que podem ser consideradas nobres. Olha o exemplo colocado por ele. Schopenhauer cita do Novo Testamento em João 7:8, no qual Jesus disse aos seus discípulos que subissem sós até a festa dos Judeus que queriam matá-lo, porque ele não iria. E depois que os discípulos todos estavam lá, Jesus subiu sozinho e passou desapercebido em meio ao povo até chegar em um lugar privilegiado para, então, de lá, falar sobre suas boas intenções e convencer os Judeus a não o matarem.
Com todos estes dados e opiniões não quero parecer leviano ou irresponsável ao ponto de parecer fazer apologia a prática da mentira, mas sim a fazermos uma introspecção e nos livrarmos desse falso moralismo de afirmar que em nós habita somente a verdade e nenhuma mentira. E termos consciência de que aquela mentira que falamos a uma criança é tão mentira como qualquer outra.
Um abraço. Donizete.