Salvação na perspectiva de Lucas, tinha a mesma conotação do período vétero- testamentário. O professor e escritor Eben Hans Scheffler, em seu tratado sobre Lucas-Atos, afirma que Lucas emprega uma “linguagem de salvação” quanto a um espectro muito amplo em circunstâncias humanas – o fim da pobreza, discriminação, doença, possessão demoníaca, pecado, etc... Ou seja, era associada ao sofrimento econômico, social, político, físico, psicológico e espiritual.
Segundo Scheffler, para Lucas a salvação é, sobretudo, algo que se realiza nesta vida, hoje. Citando especificamente, as palavras de Jesus registradas em 4:21; 19:9; 23:43. Para Lucas, salvação é salvação presente.
E em função disso, (visto ser Lucas colaborador de Paulo em suas viagens missionárias) que é importante realçar que a mensagem evangelística de Paulo não é uma mensagem negativa. Ele não tem a incumbência de anunciar uma destruição arbitrária do mundo em um apocalipse vindouro, onde os bons seriam separados dos maus, sendo que, apenas os primeiros seriam dignos de uma bem-aventurança na eternidade.
É nesse sentido que David Bosch, em seu livro, Missão transformadora, afirma que a mensagem de Paulo é iminentemente positiva. Todas as vezes que ele faz menção da ira de Deus, é apenas no sentido de fazer um contraste sombrio de uma mensagem caracterizada por boas novas.
Segundo Bosch, “Deus já veio a nós em seu filho e retornará em glória. A missão de Paulo é o anúncio do senhorio de Cristo sobre toda a realidade e um convite para submeter-se a Ele; através da sua pregação, Paulo deseja evocar a confissão ‘Jesus é o Senhor!’. A boa nova é que o reinado de Deus, presente em Jesus Cristo , reuniu a todos nós sob o juízo e, no mesmo ato, reuniu a todos nós sobre a graça. Mas isso não implica que o evangelho seja uma introspecção mística ou a salvação de almas individuais, retirando-nos de um mundo perdido e lavando-nos para a segurança da igreja. Trata-se, pelo contrário, de uma proclamação de um novo estado de coisas que Deus iniciou em Cristo, que diz respeito as nações e à integralidade da criação e culmina na celebração da glória final de Deus.”
Desse modo Paulo tem em sua missão, o objetivo de ampliar já no mundo presente, o domínio do mundo vindouro de Deus. Na sua concepção, o reino de Deus havia sido inaugurado, e sua mensagem consistia em anunciar esta verdade.
Significa dizer então que Paulo era um “universalista” no sentido de prever a salvação derradeira de toda a humanidade? Algumas de suas afirmações parecem asseverar que tão somente uma parte da comunidade humana será salva; outras aparentam sugerir que, no final, todas as pessoas serão salvas.
O professor do novo testamento Eugene Boring, publicou recentemente um artigo esclarecedor e provocativo sobre esse tema.
Segundo Boring, “uma minoria de estudiosos sustenta que Paulo é, efetivamente, um universalista; subordinam, então, os textos particularistas aos universalistas. A maioria parece enveredar para a direção oposta: subordinando as passagens universalistas às particularistas, concluem que Paulo é, na verdade, um particularista. Outras tentam solucionar o problema sustentando que há um desdobramento progressivo em Paulo, que vai do “particularismo” ao universalismo”.
Para tentar solucionar as afirmações conflitantes em Paulo, ou tentar pelo menos harmonizá-las, devemos compreender que ele era um pensador coerente, mas em certos assuntos não era sistemático.
Boring diz que, no tema em discussão, Paulo opera com duas imagens aparentemente antagônicas. Nas denominadas passagens particularistas, a imagem abarcante é a de Deus-juiz. Nesta imagem existem “vencedores” (aqueles que são salvos) e “perdedores” (aqueles que se perdem, mesmo que Paulo, inclusive aqui, não aprofunde a questão do destino dos condenados; Como já foi dito, Paulo não possui uma doutrina de inferno.) Nas passagens “universalistas” por seu turno, o motivo dominante é Deus-o-rei. Enquanto que o Deus-juiz separa, Deus-o-rei une a todos em seu reinado.
Por isso se torna inevitável as perguntas: até que ponto é viável ou possível fundir essas duas imagens em uma só? Até que ponto posso me permitir a prerrogativa de escolher entre “particularismo” e “universalismo”? Existe uma maneira de tornar harmônica duas afirmações colidentes?
Bosch diz que, Nenhuma opção faria jus às delicadas nuanças do pensamento paulino. Paulo está em condições, por um lado, de proclamar, com certeza absoluta, que Deus será tudo em todos e que toda língua confessará a Jesus como Senhor. Concomitantemente, ele é capaz de insistir na missão cristã como um dever ao qual não é possível renunciar. As pessoas precisam se “transferir” da velha realidade para a nova mediante um ato de fé e compromisso, pois só Cristo pode salvá-las. Cada qual carece ouvir o evangelho da justificação pela fé. A justiça de Deus não se torna efetiva automaticamente, mas necessita ser apropriada pela fé, o que só é possível onde às pessoas tiverem ouvido a proclamação do evangelho.
Por isso se vê nas entrelinhas, que Paulo, na maioria das vezes, se abstém de afirmar inequivocamente a salvação universal; o impulso para tal noção e feita pela ênfase na responsabilidade e obediência daquelas pessoas que ouviram o evangelho. Neste sentido é que torna relevante a RESPOSTA HUMANA. A salvação oferecida por Deus é universal, mas nunca chega ao ponto de anulá-la.
Por Donizete.
Bibliografia. Missão Transformadora. Bosch, David, J.