Cerca de doze séculos antes de Descartes proferir a famosa frase “Cogito, ergo sum” “penso, logo existo”, Agostinho na sua obra: A cidade de Deus, escreveu “Fallor ergo sum”, “Erro, logo existo”. Assim como Descartes, Agostinho tentou através de engenhosa argumentação buscar provas empíricas da sua própria existência. Para isso ele formulou sua tese que é basicamente igual à reflexão cartesiana: "Se eu me engano, eu sou, pois aquele que não é não pode ser enganado". Com isso atingia a certeza da própria existência. O erro, diz ele, provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito.
O fato é que na observação do pensador cristão o erro é a revelação da própria essência do ser humano. O homem é sobretudo um ser errante e seus erros uma prova incontestável de sua existência. Sua afirmação consistia que somente uma pessoa que não existe não pode errar. Por isso, se alguém erra, não pode fazê-lo sem antes existir. Assim, os erros servem com evidencia da existência. Eu digo com certeza que, entre errar e não existir, prefiro continuar errando e existindo ou existindo e errando. E acredito que, como o erro é uma prova inconteste de nossa existência e humanidade, e que a ausência de erros é uma prerrogativa da divindade somente, e como jamais seremos divinos, posso estar errado! Mas creio que os erros nos seguirão inclusive no porvir.
O que proponho neste artigo é fazer uma valoração dos erros. Porque um é o erro do empreendedor que não faz seus cálculos corretos e acaba tendo prejuízos no aspecto financeiro, e outros são os erros da engenharia que pode culminar com o desabamento de um edifício e causar a morte de seres humanos. Diferentes dos erros que afetam a nós somente são os erros que prejudicam inclusive a terceiros. Tem desdobramentos diferentes. Não podemos comparar um erro de gramática como na ilustração acima com um erro médico que pode por em risco uma vida. Alguns erros passam incólumes enquanto outros traz conseqüências terríveis. À disciplinas que são o terreno dos erros enquanto outras não se permite o erro por menor que seja. A filosofia e a teologia por exemplo; são irmãs gêmeas na busca pelo entendimento no campo da metafísica, uma depende da outra para suas conclusões. Contudo os erros trazem diferenças importantes em seus resultados.
Segundo o filósofo Paulo Ghiraldelli, a filosofia é o lugar do erro. (...) Quando fazemos uma leitura de algumas das ciências, é bom que não façamos uma leitura errada. Quando fazemos uma leitura de algum filósofo, é bom que não acertemos sempre. Assim, o professor de qualquer ciência nos premia pelo nosso acerto. Mas uma coisa sem graça é receber um prêmio se viermos a acertar em filosofia. É claro que boa parte dos erros em filosofia nada é senão erro mesmo – tolices até. Mas, se alguém quiser ser filósofo e não exclusivamente um erudito em filosofia, deve ser capaz de bons erros. A filosofia é o terreno do erro. Um bom professor de filosofia deveria premiar seus alunos com boas notas pelo erro, não pelo acerto. O bom erro em filosofia é, não raro, melhor que o acerto mais agudo em ciências.
Segundo ele, todos os grandes filósofos só foram filósofos porque erraram. (...) Ao lerem seus antepassados, os modificaram à medida que os reapresentaram de modo errado. De certa forma, foram injustos com os filósofos anteriores. Erraram e, assim, os transformaram. Por exemplo, é difícil ler Heidegger e concordar com a leitura que ele faz de Descartes ou de Nietzsche. Você não verá Nietzsche fazendo elogios a Kant ou a schopenhauer. Quando se é um leitor rigoroso em história da filosofia, ao se deparar com a leitura que Heidegger faz dos filósofos, não há como não dizer: “está errado!”. Heidegger errou. Por isso, fez filosofia. Caso acertasse e, então, reproduzisse Descartes ou Nietzsche como eles se apresentam em um bom manual de história da filosofia. Nietzsche errou em criticar os erros de schopenhauer, que por sua vez errou em apontar erros dos outros pensadores. Na filosofia cabe o erro, então, de dupla maneira. Primeiro, cabe o erro que é levado adiante pelo candidato a bom filósofo. Os grandes filósofos são os autores desse tipo de erro. Segundo, cabe o erro que levado adiante pelo estudante, que erra exatamente onde pode errar, na filosofia
O teólogo por sua vez não tem o privilégio de poder errar, antes com o erro, é logo considerado herege e colocado a margem da própria teologia. Pode dizer então que na teologia não há espaço para o erro. O teólogo precisa levar muito a sério seu trabalho, não que o filósofo não tenha, mas é que o teólogo está envolvido num assunto no qual o destino eterno de seres humanos vai depender muito dele estar certo, sobretudo no que diz respeito aos temas cruciais da teologia cristã. Sabendo disso o teólogo precisa ser extremamente responsável ao fazer sua teologia. Evitar especulações ou idéias que possam colocar em cheque a salvação de indivíduos, e ao mesmo tempo se colocar na posição de guardião da verdade de Deus. Embora os teólogos, assim como os filósofos façam uso da mesma ferramenta em seu trabalho,isto é; o pensamento, o teólogo por sua vez deve se concentrar em saber que é imprescindível que sua teologia tenha os pés no chão. Que por ter plena consciência que é ser humano finito e pecador, portanto passível ao erro, não pode se dar ao luxo de sair numa aventura em busca de uma nova e pretensa verdade. Ele deve saber que a teologia não é extática e está sujeita a evoluções e aperfeiçoamento, entretanto em relação aquilo que representa o cerne da fé cristã, aquelas construções teológicas aceitas universalmente, e cuja negação pode influenciar na salvação do crente, tem que ser preservada. Todo aquele que se aventura no campo da teologia precisa se conscientizar que lhe é negado o direito de errar, deve, portanto, destronar da sua vida a tentação de adotar concepções de risco que não corresponde com a verdade histórica e ter uma maturidade verdadeira, construída sobre sólidos alicerces. Diferentes dos filósofos que costumam se concentrar em discursos abstratos de tópicos às vezes irrelevantes no sentido de em nada influenciar no cotidiano das pessoas, o teólogo por sua vez deve evitar os devaneios e saber que o cristianismo está fundamentado na convicção de que a verdade existe e que Deus é sua fonte e autor, e deve trabalhar incansavelmente pela fé que uma vez por todas foi confiada aos santos. (Jd 3). Cabe também neste contexto outras observações do Apóstolo Paulo que diz:
Não pode ser recém-convertido, para que não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o diabo. Também deve ter boa reputação perante os de fora, para que não caia em descrédito nem na cilada do diabo. (1 Tm. 3:6,7).
E as coisas que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar a outros. ( 2 Tm. 2:2)
Donizete.
"E acredito que, como o erro é uma prova inconteste de nossa existência e humanidade, e que a ausência de erros é uma prerrogativa da divindade somente, e como jamais seremos divinos, posso estar errado! Mas creio que os erros nos seguirão inclusive no porvir."
ResponderExcluirDonizete, acima está uma reprodução de parte do seu comentário sobre o erro.
Não é fácil falar sobre essa questão, porém se continuaremos a errar no porvir isso quer dizer então que no céu, entre os salvos, haverá espaço para uma nova rebelião contra Deus?
Certamete jamais seremos como Deus, mas a Bíblia não diz somos participantes da natureza divina (II PEDRO 1:4)?
E se somos participantes da natureza divina, continuaremos a errar de forma eterna?
Sei que os anjos não são perfeitos, se fossem lúcifer não teria caido, mas nós não seremos superiores aos anjos?
Carmino.
ResponderExcluirEsta conclusão parte de um silogismo que pode ser elaborado a partir da premissa que apenas em Deus reside a plenitude da perfeição. Mas eu disse: posso estar errado. Na verdade espero estar errado. Mas como se trata de assuntos metafísicos relacionados ao futuro, diria que, tudo está no campo da especulação.
Meu objetivo neste post é de destacar a acentuada responsabilidade do teólogo ao fazer sua teologia. Como foi dito, diferente da área da psicologia ou da filosofia onde é permitido fazer suas aventuras.
Volte sempre.